1. Não há um só modo de se manifestar toda a ver-dade. Boécio cita-o, qualificando como muito bem dito (Sobre a Trindade 2: PL 64, 12504), o seguinte texto do Filósofo: É próprio daquele que tem a razão bem or-denada, tentar apreender a realidade de cada coisa, en-quanto o permitir a natureza desta (1 Ética 1, 1094b; Cmt 3, 36). Assim sendo, é necessário, em primeiro lugar, mostrar qual o modo possível de se manifestar a verdade proposta. 2. Há, com efeito, duas ordens de verdades que afir-mamos de Deus. Algumas são verdades referentes a Deus e que excedem toda capacidade da razão humana, como, por exemplo, Deus ser trino e uno. Outras são aquelas as quais a razão pode admitir, como, por exem-plo, Deus ser, Deus ser uno, e outras semelhantes. Es-tas os filósofos, conduzidos pela luz da razão natural, provaram, por via demonstrativa, poderem ser realmen-te atribuídas a Deus. 3. É evidentíssimo que existem verdades referentes a Deus e que excedem totalmente a capacidade da razão humana. Ora, o princípio de todo conhecimento que a razão apreende em alguma coisa é a intelecção da sua substância. Aliás, segundo ensinamento do Filósofo, o princípio da demonstração é o que a coisa é (II Ana-ticos Posteriores 3, 90b; Cmt 2, 427). Daí ser con-veniente que, segundo o modo pelo qual a inteligência conhece a substância da coisa, seja também o modo de se conhecer tudo que pertence a esta coisa. Por conseguinte, se o intelecto humano compreende a substância de uma coisa, seja de uma pedra ou de um triângulo, nenhuma das realidades inteligíveis desta coisa excede a capacidade da razão humana. Porém, com relação a Deus, tal não acontece. Isto porque o intelecto humano não pode chegar a apreen-der a substância divina pela sua capacidade natural. Como o nosso intelecto, no estado da presente vida, tem o conhecimento iniciado nos sentidos, aquelas coisas que não caem nos sentidos não podem ser apreendidas por ele, a não ser enquanto o conhecimento delas tenha sido deduzido das coisas sensíveis. Ora, as coisas sen-síveis não podem levar o nosso intelecto a ver nelas o que é a substância divina, porque elas são efeitos não equivalentes à virtude da causa. Contudo, partindo das coisas sensíveis, o nosso in-telecto é levado ao conhecimento divino de modo a conhecer que Deus é, e ao conhecimento de outras realidades que possam ser atribuídas ao primeiro prin-cípio. Há, portanto, alguns atributos inteligíveis de Deus acessíveis à razão humana; outros, porém, que totalmente excedem a capacidade desta mesma razão. 4. A mesma doutrina pode ser facilmente inferida considerando-se a gradação dos diversos intelectos exis-tentes. De dois indivíduos dos quais um penetra, pela inteligência, mais sutilmente em alguma coisa do que o outro, o de intelecto mais agudo tem intelecção de muitas coisas que o outro absolutamente não apreende. CAP. III.-Quis MODUS SIT POSSIBILIS DIVI-NAE VERITATIS MANIFESTANDAE.
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GONZAGA, W. (2016). SUMA CONTRA OS GENTIOS. ATUALIDADE TEOLÓGICA, 2016(3). https://doi.org/10.17771/pucrio.ateo.27787
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