Neste artigo, analiso o pensamento de Thomas Kuhn à luz da ideia de que sua obra desencadeou um pro-cesso de rediscussão acerca das relações entre ciência e sociedade. De fato, A estrutura das revoluções cien-tíficas, publicado em 1962, causou um impacto que deixou marcas indeléveis nos debates arrolados sobre a prática científica. Dois efeitos colaterais decorreram desse acontecimento: um possibilitou o surgimento – talvez a concretização de uma tendência – de questões extremamente técnicas e, em alguma medida, estéreis; o outro acirrou os ânimos da querela acerca do lugar que a ciência ocupa, ou deveria ocupar, na sociedade. O argumento central desenvolvido neste artigo é o de que o segundo efeito foi engendrado por Kuhn de forma inconsciente. Em outras palavras, Kuhn pode ser visto como tendo propiciado uma libe-ração involuntária, no sentido de ter recolocado o debate em torno da interface entre a ciência e a socie-dade, embora a sua revelia. Dessa forma, ele pode ser apontado como a grande fonte de inspiração para o programa forte e os subsequentes science studies. É necessário, portanto, uma reavaliação das suas teses principais, a fim de que se possa lançar luz sobre a questão da interação entre os fatores racionais e os valores sociais. Sem correr o risco de estar exagerando, Kuhn se tornou a figura, senão mais influente, ao menos mais debatida na filosofia da ciência anglófona da segunda metade do século xx. A grande quantidade de trabalhos sobre ele que, nos últimos anos, continua sendo publicada é um forte indício da atualidade de suas ideias, bem como da influência du-radoura de sua obra. Seu livro, A estrutura das revoluções científicas (1978 [1962]), que completa 50 anos, é o maior best-seller da história da epistemologia, tendo causado uma verdadeira " revolução " nas questões filosóficas referentes à ciência. O êxito editorial e acadêmico dessa obra impôs-lhe, no entanto, um preço a pagar. No âmbito da filoso-fia, Kuhn não produziu praticamente nada de novo desde então, uma vez que se sentiu obrigado a dispender grande parte de seu tempo tentando, por um lado, amainar as scientiae zudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60, 2012
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Mendonça, A. L. de O. (2012). O legado de Thomas Kuhn após cinquenta anos. Scientiae Studia, 10(3), 535–560. https://doi.org/10.1590/s1678-31662012000300006
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