depositário do justo e procedimento exemplar que res-ponde aos anseios democráticos que clamam pelo fim da violência e da impunidade. Se a violência manifesta-se como uma das formas preferenciais de identificação do mal-estar, a resposta convencional esperada, que coabita vidas inseguras de si próprias, justifica não só a existên-cia da prisão para jovens no Brasil e suas eternas refor-mas, bem como a manutenção dos dispositivos carcerários que encontram sua porta de entrada sob a forma de julga-mento materializado no tribunal para adolescentes consi-derados infratores. As consciências engajadas ao ideal da democracia encontram alívio na atuação de advogados, cumprindo um mero expediente formal que desqualifica seu papel de defesa; de juízes e promotores, garantindo a ordem e deixando intocada a propriedade privada como ex-tensão da própria vida; e de técnicos que, sob parece-res biopsicosociais, legitimam a intervenção das cha-madas ciências humanas sobre cotidianos, corpos e mentes, fornecendo o aval científico de que o procedi-mento jurídico tanto necessita para respaldar suas sen-tenças. Os adolescentes considerados infratores transbordam nos excessos das ruas e casas, nas páginas de processos esquecidos em algum arquivo, nos inventários de culpas tecidos por neutralidades de toda ordem, transbordam, enfim, em uma sociabilidade autoritária reproduzida por eles e legitimada pelos defensores do combate ao mal-estar, que incapazes de dizer sim, insistem no não da moral do ressentimento, duplo fraterno da vingança e da educa-ção pelo medo. sociedade ocidental insiste em reatualizar, sob inúmeras vestes, o legado da concepção de jus-tiça da filosofia platônica. Parte do pressuposto de que justiça equivale ao bem, sob a ótica da moral; ao bem comum, como generalização legal; e à garantia da ordem pública, enquanto meta legitimadora de expurgos do que é considerado insuportável. Criam-se, assim, dicotomias que alimentam o jogo de antagonismos coadunados à falaciosa pretensão que ca-minha lado a lado do ideal de felicidade. A denominação de mal-estar emerge complementada pelo seu oposto: o bem-estar, duplo equivalente e capaz de redenção. Trata-se, mais uma vez, de fazer caber o outro no um, batalha de pólos contrários que rivalizam no mesmo espectro de intervenção e centralidade. A tessitura do clamor de segurança disseminado pela sociedade exige que o bem-estar seja o modelo exemplar capaz de responder a mal-estares inerentes, construídos e cultivados sob a lógica do temor. As conotações de bem-estar e mal-estar respondem à retórica que prima pela tautologia 1 de uma sociabili-dade que constrói e reconstrói intervenções reformis-tas, legitimadas pela edificação de seu próprio emba-raço diante da escolha de uma moralidade do juízo providencial. Não causa espanto que o espectro do tribunal incida, sob as mais variadas nuances, em diversas esferas da vida, muitas vezes de forma velada e doce, e, regularmente, como ritual soberano e disciplinar. Cabe, assim, interrogar o significado da reinvenção e reiteração do tribunal em nossa sociedade, como locus
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Oliveira, S. M. de. (1999). A moral reformadora e a prisão de mentalidades: adolescentes sob o discurso penalizador. São Paulo Em Perspectiva, 13(4), 75–81. https://doi.org/10.1590/s0102-88391999000400008
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