A moral reformadora e a prisão de mentalidades: adolescentes sob o discurso penalizador

  • Oliveira S
N/ACitations
Citations of this article
5Readers
Mendeley users who have this article in their library.

Abstract

depositário do justo e procedimento exemplar que res-ponde aos anseios democráticos que clamam pelo fim da violência e da impunidade. Se a violência manifesta-se como uma das formas preferenciais de identificação do mal-estar, a resposta convencional esperada, que coabita vidas inseguras de si próprias, justifica não só a existên-cia da prisão para jovens no Brasil e suas eternas refor-mas, bem como a manutenção dos dispositivos carcerários que encontram sua porta de entrada sob a forma de julga-mento materializado no tribunal para adolescentes consi-derados infratores. As consciências engajadas ao ideal da democracia encontram alívio na atuação de advogados, cumprindo um mero expediente formal que desqualifica seu papel de defesa; de juízes e promotores, garantindo a ordem e deixando intocada a propriedade privada como ex-tensão da própria vida; e de técnicos que, sob parece-res biopsicosociais, legitimam a intervenção das cha-madas ciências humanas sobre cotidianos, corpos e mentes, fornecendo o aval científico de que o procedi-mento jurídico tanto necessita para respaldar suas sen-tenças. Os adolescentes considerados infratores transbordam nos excessos das ruas e casas, nas páginas de processos esquecidos em algum arquivo, nos inventários de culpas tecidos por neutralidades de toda ordem, transbordam, enfim, em uma sociabilidade autoritária reproduzida por eles e legitimada pelos defensores do combate ao mal-estar, que incapazes de dizer sim, insistem no não da moral do ressentimento, duplo fraterno da vingança e da educa-ção pelo medo. sociedade ocidental insiste em reatualizar, sob inúmeras vestes, o legado da concepção de jus-tiça da filosofia platônica. Parte do pressuposto de que justiça equivale ao bem, sob a ótica da moral; ao bem comum, como generalização legal; e à garantia da ordem pública, enquanto meta legitimadora de expurgos do que é considerado insuportável. Criam-se, assim, dicotomias que alimentam o jogo de antagonismos coadunados à falaciosa pretensão que ca-minha lado a lado do ideal de felicidade. A denominação de mal-estar emerge complementada pelo seu oposto: o bem-estar, duplo equivalente e capaz de redenção. Trata-se, mais uma vez, de fazer caber o outro no um, batalha de pólos contrários que rivalizam no mesmo espectro de intervenção e centralidade. A tessitura do clamor de segurança disseminado pela sociedade exige que o bem-estar seja o modelo exemplar capaz de responder a mal-estares inerentes, construídos e cultivados sob a lógica do temor. As conotações de bem-estar e mal-estar respondem à retórica que prima pela tautologia 1 de uma sociabili-dade que constrói e reconstrói intervenções reformis-tas, legitimadas pela edificação de seu próprio emba-raço diante da escolha de uma moralidade do juízo providencial. Não causa espanto que o espectro do tribunal incida, sob as mais variadas nuances, em diversas esferas da vida, muitas vezes de forma velada e doce, e, regularmente, como ritual soberano e disciplinar. Cabe, assim, interrogar o significado da reinvenção e reiteração do tribunal em nossa sociedade, como locus

Cite

CITATION STYLE

APA

Oliveira, S. M. de. (1999). A moral reformadora e a prisão de mentalidades: adolescentes sob o discurso penalizador. São Paulo Em Perspectiva, 13(4), 75–81. https://doi.org/10.1590/s0102-88391999000400008

Register to see more suggestions

Mendeley helps you to discover research relevant for your work.

Already have an account?

Save time finding and organizing research with Mendeley

Sign up for free