Resumo. A revelação da violência sexual (VS) tem sido descrita como um processo importante, culminando com o relato das vítimas acerca da violên-cia sofrida. A maioria dos estudos sobre o assunto tem como foco vítimas do sexo feminino, difi cultando a generalização de seus resultados para vítimas do sexo masculino. Diante disso, o objetivo desse estudo foi compreender o processo de revelação da violência sexual sofrida por um menino, a par-tir do relato de sua mãe, por meio de um estudo de caso. Realizou-se uma entrevista semiestruturada com a mãe do menino, a qual abordou questões sobre a descoberta da VS, sentimentos e reações maternas e a repercussão do fato para a família e para a vítima. A análise da entrevista foi organi-zada em três eixos: (i) revelação da VS como um processo; (ii) as reações maternas frente à descoberta e; (iii) repercussões da VS. A descoberta sobre a VS ocorreu a partir de conversas entre mãe e fi lho, que permitiram que a situação fosse revelada aos poucos. O impacto da revelação desencadeou na mãe sentimentos de culpa e preocupações com a sexualidade do fi lho. Destaca-se, portanto, a importância da rede de apoio familiar e institucional, com serviços e profi ssionais capacitados para atuar nesse momento de crise familiar advindo da revelação da VS. Além disso, ressalta-se a importância de estudos na temática da violência sexual contra meninos. Palavras-chave: abuso sexual infantil, masculino, revelação. Abstr act. The disclosure of sexual violence (SV) has been described as an important process culminating with the victim's report about the violence suff ered. Most studies about this issue are focused on female victims, which makes it diffi cult to generalize their results to male victims. Therefore, the Estudo de caso sobre a revelação da violência sexual contra meninos 1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Edital MCT/CNPq nº 27/2007, processo número: 143201/2008-5. Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Attribution License (CC-BY 3.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados. Introdução A violência sexual (VS) contra crianças e adolescentes tem se configurado um problema de saúde pública no mundo. No Brasil, o Dis-que Denúncia Nacional – Disque 100 (Progra-ma Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 2010) recebeu e encaminhou, no período entre maio de 2003 e março de 2010, 214.689 notificações de violência sexual, negligência, violência físi-ca e psicológica, nas quais o sexo da vítima foi informado. Dentre essas notificações de vio-lência (i.e., sexual, negligência, física e psicoló-gica), o percentual que mais diferiu entre as ví-timas foi no índice de VS, com índices de 62% para o sexo feminino e 38% para o sexo mas-culino. Em todas as modalidades apresentadas (i.e., exploração sexual, tráfico de crianças e adolescentes, abuso sexual e pornografia), as vítimas do sexo feminino foram em maior nú-mero, obtendo o índice de 82% nas ocorrências de exploração sexual. Essa diferença entre me-ninas e meninos foi menor nas situações de VS e pornografia, sendo a frequência para esses últimos de 30%. O menor número de casos notificados de VS contra meninos pode ocorrer devido à di-ficuldade que as vítimas possuem em relatar o ocorrido. Especificamente em casos de meninos vítimas, o processo de revelação parece ser difi-cultado devido a aspectos culturais (Hohendor-ff et al., 2012), os quais demarcam as concepções de masculino e feminino. Frequentemente é possível identificar nos discursos sociais cren-ças do tipo: " homem não demonstra sensibili-dade ou não pede ajuda " , como referência de masculinidade (Hohendorff et al., 2012). Diver-sas culturas são baseadas na independência e no estoicismo masculino (Almeida et al., 2009; Sanderson, 2005), características incongruentes com o papel de vítima de VS. As percepções sociais acerca de meninos e homens vítimas de VS foram inclusas no mo-delo de Spiegel (2003) acerca da dinâmica da VS em vítimas do sexo masculino. Nesse mo-delo, a VS ocorreria por meio de seis catego-rias, as quais podem ser entendidas como fa-ses. Inicialmente ocorre a sujeição, fase na qual os agressores buscam se aproximar das víti-mas com o objetivo de estreitar laços de afeto e confiança. Em seguida, iniciam-se as intera-ções sexuais, ou seja, a fase da VS propriamen-te dita. Na sequência ocorrem o encobrimento e a invalidação, nas quais as vítimas buscam anular a ocorrência da VS. Tendo em vista que isso não é possível, as vítimas se reconciliam com a VS e não percebem alternativa para ces-sar sua ocorrência. O conflito gerado pela bus-ca de encobrimento e invalidação da VS aliada à percepção de que isso não é possível (i.e., re-conciliação) resulta em uma compensação na qual as vítimas podem desenvolver um " self compensatório " (Spiegel, 2003, p. 207). Esse " self compensatório " pode ser hipermasculi-no, buscando reafirmar a identidade de gêne-ro por meio de comportamentos considerados típicos para meninos e homens; feminino, de-senvolvendo características típicas do gêne-ro feminino; andrógino ou indiferenciado. A busca por encobrimento e invalidação da VS pode ser entendida como uma tentativa das ví-timas masculinas em adequar sua experiência às percepções sociais sobre VS (e.g., " Meninos não são vítimas " , " Ocorre somente com meni-nas "), ao passo que a compensação pode ser
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Von Hohendorff, J., Silva dos Santos, S., & Dalbosco Dell’Aglio, D. (2015). Estudo de caso sobre a revelação da violência sexual contra meninos. Contextos Clínicos, 8(1). https://doi.org/10.4013/ctc.2015.81.05
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