A mobilidade (nomadismo ou semi-nomadismo) de povos jê setentrionais, e o caráter oral das tradições em que se registram sua história e seu envolvimento na paisagem, são dois traços salientes da territorialidade indígena que não encontram acolhimento no regime jurídico desenhado para o reconhecimento de terras indígenas no Brasil. Um dos objetivos deste artigo é evidenciar essa incompatibilidade. Mas os Kisêjdê não desconhe- cem essa dificuldade, sobretudo na medida em que suas consequências práticas se fazem impor. Vivendo um uma paisagem devastada, onde florestas foram convertidas em pastos, próximos demais às plantações de soja e seus venenos, eles se esforçam para sustentar as relações produtivas entre si mesmos e com os espíritos de animais e plantas que com eles coabitam, por meio de uma espécie de política pública voltada para controlar os efeitos das atividades destrutivas do agronegócio. Como parte dessa política, referem-se agora a esses lugares ameaçados por uma expressão que admitem ser uma inovação e que traduzem como “nossa terra” (wa nhõ hwyka). Meu argumento aqui é o de que a emergência da terra como objeto de expressões possivas como essa representa menos a adoção de um conceito de território condicionado por uma lógica alienígena e estatal, do que correspon- de a um passar para o primeiro plano a dimensão antes tomada como dada do envolvimento mútuo entre pessoas humanas e não-humanas, a saber, a T/terra como uma força intangível de que todos participam. Assim, a terra é mantida em movimento, e os Kisêdjê podem continuar se movendo com ela.
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Souza, M. S. C. de. (2021). Dois pequenos problemas com a lei terra intangível para os Kisêdjê. Revista de Antropologia Da UFSCar, 9(1). https://doi.org/10.52426/rau.v9i1.182
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