As transformações que atualmente ocorrem na vida cotidiana de cada um de nós, e que resultam do processo de globalização, refletem-se na nossa relação com o espaço, o tempo e os outros. As duas noções analisadas por Marc Augé, " lugar antropológico/não lugar " 1 , permitem-nos tomar consciência dessas transformações, que surgem de uma forma aparentemente " natural " e vão substituindo a cidade antiga pela emergência de uma " nova cidade " . Entendemos essas duas noções – " lugar antropológico " 2 e " não lugar " 3 – como " tipos ideais " (cf. Weber, [1922]* 1971), que representam os espaços dominantes respectivamente das sociedades sem escrita e da sociedade con-temporânea ocidental. O que a noção de " não lugar " nos permite é algo menos rígido e talvez menos rigoroso sob o ponto de vista científico, exatamente pela ambiguidade da sua definição, como veremos neste texto. Porém, mais interessante sob o ponto de vista da análise social é encontrar uma imagem do todo que não é a recomposição minuciosa das partes. Corresponde empiricamente a um conjunto de construções com características muito diferentes – aeroportos, cadeias de hotéis, hipermercados, autoestradas etc. Augé não analisa exaus-tivamente nenhum desses tipos de espaço, mas procura perceber o que é comum a todos eles e de que modo sua proliferação provoca mudanças na organização social-econômica-simbólica da sociedade e, portanto, na vida cotidiana dos indivíduos: " O problema é descobrir aquilo que é comum a 1. Encontramos nos estudos ur-banos outras noções semelhan-tes: heterotopias (Michel Fou-cault); lugar e espaço (Michel De Certeau); nonplace (Melvin Webber); cyberspace (Françoi-se Choay); espaço de fluxos e espaço dos lugares (Manuel Castells). 2. Que Marc Augé (2005) defi-ne como um espaço identitário, relacional e histórico. O não lu-gar é o seu oposto: espaços não identitários, não relacionais e não históricos. 3. Termo utilizado pela primei-ra vez por Jean Duvignaud em Lieux et non-lieu (Paris, Galilée, 1977). * A data entre colchetes refere-se à edição original da obra. Ela é indicada na primeira vez que a obra é citada. Nas demais, indi-ca-se somente a edição utilizada pelo autor (n. e.) Vol26n2.indd 209 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 26, n. 2 210 Lugares e não lugares em Marc Augé, 209-229 todos. É um problema, poder-se-ia dizer, de tradução, de traduzir o que está dito numa linguagem [...] numa expressão de uma linguagem diferente " (Lévi-Strauss, 1987, p. 21). A alteração da linguagem no nível da cons-trução desses espaços implica também uma alteração da linguagem social daqueles que vão ocupá-los. A relação não é determinista, como veremos, mas ela existe.
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Sá, T. (2014). Lugares e não lugares em Marc Augé. Tempo Social, 26(2), 209–229. https://doi.org/10.1590/s0103-20702014000200012
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