Elias Canetti (1987) indaga, de modo provocador, sobre o que é língua, o que ela esconde e o que nos rouba. Essas perguntas, feitas no conto O apelo dos cegos, em Vozes de Marrakesh, nos instigam a pensar sobre o funcionamento da língua na sua relação com o sujeito: que língua é essa falada pelo sujeito? O que ela esconde e rouba desse sujeito constituído na e pela linguagem? Essas questões são potencializadas quando a língua se torna objeto de ensino. Perguntas como (i) "o que significa ensinar uma língua para sujeitos que já a dominam ou ainda a estão aprendendo, como é o caso do ensino de português para estrangeiros?" (ii) "quais os processos de produção de sentido e de subjetivação que estão em jogo no ensino/aprendizagem de língua materna ou de língua de acolhimento?" 1 e (iii) "que língua é essa que está em jogo na sala de aula?" se tornam fundamentais para pensar na heterogeneidade da língua, muitas vezes silenciadas no âmbito do ensino, principalmente quando esse ensino é voltado para o público da periferia urbana e para sujeitos em situação de refúgio. Nesse sentido, consideraremos a língua com base em uma visão discursiva que a desloca do seu caráter instrumental, adotada por algumas perspectivas teóricas. Tal qual Celada (2008), consideraremos o processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira, bem como o de língua materna, como um processo de construção de identidade e de subjetivação, o qual deve ser levado em conta para pensar o que é a língua materna, o que é língua de acolhimento e como tais visões de língua se significam nessa relação tensa entre sujeito, língua e ensino. Apresentaremos, neste artigo, portanto, uma reflexão sobre a relação entre língua e sujeito em sala de aula por meio de recortes de aulas de português em escolas da periferia do Rio de Janeiro e de aulas de português voltadas para sujeitos em situação de refúgio oferecidas pela Cáritas-RJ em parceria com o curso de Letras da UERJ. 2 Questionaremos, considerando esses 1 R i z e n t a l (2 0 1 7) , A nu n c i a ç ã o (2 018), C a m a r g o (2 0 1 8) , em seus trabalhos já p r o b l e m a t i z a m o s termos acolhimento e português como língua de acolhimento. 2 O curso de Português pa ra Ref ug iados da Cáritas-RJ tem parceria com a UERJ, por meio do projeto de extensão P o r t u g u ê s p a r a Refugiados, coordenado pela Profa. Dra. Poliana Arantes.
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Rodrigues, V. V. (2021). Para Começo de Conversa. In Cláusulas sem Núcleo em Português: Desgarramento ou Insubordinação? (pp. 19–22). Editora Blucher. https://doi.org/10.5151/9786555500554-01
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