A história do diabetes remonta a séculos. Tentaremos traçar neste espaço a linha do tempo da doença e suas perspectivas, cujo sumário é apresentado na Figura 1. A primeira referência que temos sobre a doença foi por meio do papiro de Erbers que consistia em um documento médico egípcio, descoberto pelo alemão Gerg Ebers em 1872. Neste documento, descrevia-se uma doença que tinha como característica uma emissão frequente e abundante de urina. Provavelmente este antigo documento era de 1.500 anos antes de Cristo. Entretanto, foi na Grécia Antiga, já na Era Cristã, que surgiu o nome “diabetes”, dado por Arateus. O que significa diabetes? Este nome deriva de uma semelhança entre a poliúria, sintoma característico da doença e a drenagem de água através de um sifão. Durante o primeiro século, a doença era frequentemente mencionada em vários povos, como os hindus e árabes e já se associava que a urina dos pacientes com diabetes era adocicada. Avicena, médico árabe, foi o primeiro a relacionar a doença a algumas complicações, como a gangrena diabética e a perda da função sexual. Do século XV ao século XIX surgiram vários experimentos que permitiram distinguir a doença do diabetes insipidus, o que resultou na adição do nome mellitus e no fato de estabelecer-se que o açúcar na urina dos pacientes com diabetes era semelhante ao encontrado na uva, o que originou o nome “glicose”. O século XIX foi de grande impulso nas pesquisas relacionadas à doença, como introdução da dieta como terapia, cuja recomendação inicial era que fosse rica em hidratos de carbono (HC), que foi enfatizada a restrição de HC por Bouchardat no final do século XIX. Bouchardt foi quem introduziu um método de determinar a perda de açúcar (glicose) pela urina, que diminuía com o tratamento com dieta restrita. À semelhança do que ocorre hoje, nesta época surgiram várias dietas milagrosas para tratar o diabetes, como a dieta da aveia, descrita por Von Nororden em 1895. A aderência à dieta era, como hoje, um dos maiores desafios da comunidade médica, o que resultou em atitudes radicais, como trancar os pacientes por dias, oferecendo dietas restritivas, pobres em HC e ricas em gorduras. Claude Bernard descreveu o papel do fígado como produtor de glicose e, portanto relacionado à patogênese da doença, Petters identificou a cetona na urina e sua associação com o coma diabético, e Kussmaul identificou a cetona no sangue. Em 1869, temos a descrição de funções pancreáticas distintas, endócrinas e exócrinas, por Paul Langerhans. A relação entre pâncreas e diabetes foi descrita por Minkowki e Von Mering que observaram que a extirpação do pâncreas em cães resultava em perda excessiva de açúcar pela urina. Já no século XX, em 1900, a função endócrina das ilhotas de Langerhans foi descrita por Opie, com distinção entre as células alfa e beta e sua diferenciação com o tecido acinoso do pâncreas. Essas descobertas foram construindo lentamente o caminho para a descoberta do tratamento da doença por extrato pancreático. Podemos considerar que a descoberta da insulina por Banting e Best, foi um dos fatos mais importantes não só para o diabetes, mas para a área médica em geral, pois permitiu mudar a história natural da doença, principalmente em indivíduos jovens que eram tratados com dietas restritas que resultavam em desnutrição. O primeiro extrato pancreático, denominado inicialmente como “isletina” e posteriormente como “insulina”, foi injetado no dia 11 de janeiro de 1922, em um menino de 11 anos, Leonard Thompson. A melhora clínica e o aumento significativo do peso deste paciente fizeram todos acreditar que a cura do diabetes havia finalmente chegado. Banting e Best receberam o prêmio Nobel de Medicina por sua descoberta. Nos anos subsequentes, tivemos a demonstração da relação entre a hipófise e o pâncreas por Houssay, que ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia por sua descoberta e grande impulsão nas pesquisas para a produção de insulina que permitisse sua utilização em resposta à crescente demanda de pacientes. Foi iniciada a extração de pâncreas bovino e suíno, melhora da pureza, da estabilidade das novas insulinas e aumento do seu tempo de ação através da adição de protamina e posteriormente de zinco. Após a Segunda Guerra Mundial, importantes contribuições foram feitas no que diz respeito ao tratamento do diabetes como o efeito hipoglicemiante das sulfas, que já havia sido relatado na literatura médica. Este fato abriu uma nova perspectiva para o tratamento do diabetes por drogas orais. Em 1959, Sanger descobriu a estrutura molecular da insulina permitindo sua produção sintética, o que resultou em mais um prêmio Nobel de Química. Em 1977, Yallow e Berson desenvolveram a técnica de radioimunoensaio para determinação laboratorial da insulina. Logo após, em 1978, utilizando-se a técnica de recombinação de DNA, conseguia-se a produção bacteriana de insulina por Escherichia Coli. Estas últimas descobertas impulsionaram as pesquisas e o desenvolvimento de inúmeros novos tipos de insulina de ação ultrarrápida, ação lenta e ultralenta que, entretanto, jamais conseguiram mimetizar a ação fisiológica da insulina endógena. Até hoje os pacientes em uso de insulina exógena têm uma hiperinsulinemia periférica e uma hipoinulinemia no sistema porta, o que dificulta atingirmos o controle glicêmico ideal. Nas últimas décadas, importantes contribuições científicas permitiram que o controle glicêmico fosse avaliado, retrospectivamente, pela hemoglobina glicada e, diariamente, pela automonitorização da glicemia capilar, que era anteriormente avaliada semi quantitivamente pelo reagente de Bennedict.
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Gomes, M. D. B. (2015). Diabetes: recordando uma história. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, 14(4). https://doi.org/10.12957/rhupe.2015.20069
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