PRÓLOGO eugène MinkoWski (1933) O problema do tempo e do espaço é o problema central da psicologia, da filosofia, e diria mesmo, de toda a cultura contemporânea. Responsável por profundos con-flitos em nossa existência, ele deve necessariamente ser examinado de perto por cada um de nós. 1 A técnica, por de suas descobertas, busca vencer o tempo e o espaço. Felizes por serem beneficiários do pro-gresso que ela não cessa de realizar desse ponto de vista, não podemos nos sentir menos agradecidos em relação a ela. Entretanto, este sentimento de gratidão permanece incompleto. Freqüentemente nós nos sentimos invadidos por uma lassitude profunda, como se o ritmo da vida nos violentasse. É que este progresso se dá em detrimento de outros valores essenciais. Ir rapidamente não nos é sufi-ciente. A expressão "barbárie científica" nos vem por ve-zes aos lábios, para designar um dos traços característicos de nossa época, e é com certa pena que pensamos então nas "lentidões" e nos ócios dos "bons tempos". Sentimos crescer em nós a revolta; desejamos reconquistar nossos direitos sobre o "tempo", direitos que a vida contempo-rânea parece nos arrebatar. O que faríamos com esse tempo reconquistado? Mas, a bem dizer, esta questão realmente exige uma resposta? Não lhe basta a si mesma? Falta "saber" efetivamente o que será feito de seu tempo, para se dar conta do valor do "tempo livre", desse tempo livre que não é nem sinônimo de repouso concedido aos nossos músculos e ao nosso cé-rebro esgotados, e menos ainda sinônimo de aborrecimen-to, mas que nos permite relaxar realmente, contemplar a vida que nos rodeia e nos confundir com ela, permanecer cara-a-cara conosco mesmos mergulhando nosso olhar até o fundo do nosso ser, de refletir enfim, sem que seja ne-cessário precisar o objetivo dessas reflexões? Não, decidi-damente, não queremos dar resposta a esta questão, visto que respondê-la já é estabelecer um programa, é designar algo que pode ser feito mais ou mesmo rapidamente, é oferecer novamente o flanco aos progressos da técnica, é 1 Publicado originalmente em 1933, Delachaux & Niestlé, Neuchâtel (Suisse). forjar um novo elo para a cadeia à qual nos sentimos apri-sionados, é suspender enfim tudo o que há de imprevisto, de indefinido, de misterioso, de criativo no tempo livre no qual experimentamos com tanta necessidade. A ciência aqui se encontra com a técnica. Procedendo por abstrações, ela coloca de lado uma grande quantidade de fenômenos que se mostram refratários ao pensamen-to discursivo. Ao aplicar ao tempo os mesmos métodos aplicados ao espaço inteligível, ela o priva de imediato, como mostrou Bergson, de todas suas riquezas naturais. E à medida que avança, à medida que formula leis mais e mais gerais, ela não faz mais do que se distanciar cada vez mais da fonte viva na qual teve sua origem, para al-cançar ao fim das contas, concepções que não são mais do que a expressão derradeira desta "abstração" crescente em relação à vida real. Aqui também não se pode deixar de sentir a necessidade de voltar para trás. Os progressos da ciência exata, como os da técnica, nos enchem de ad-miração, mas não nos sossega. Cansados desse progresso, nós experimentamos o desejo de desviar nosso olhar tanto do ideal de rapidez e do tempo tomado até as bordas como da "quarta dimensão do espaço", para fazer como marcha a ré, para voltar nosso olhar para... Mas para o quê quere-mos voltar nosso olhar? É aqui que devemos novamente desconfiar das respostas apressadas. "Para a natureza", estaríamos tentados a dizer, com a reserva que esta fór-mula não seja tomada ao pé da letra, que a necessidade de voltar atrás não seja substituída por um "programa" que tenha por objeto fazer renascer os "velhos tempos" ou regressar a uma vida mais primitiva; isso equivaleria a cair na própria armadilha; a "volta atrás" se veria dessa forma assimilada de golpe com o "passado" da história, sem que nem mesmo houvesse sido tentada uma análise do fenômeno do tempo, como se esta volta tivesse neces-sariamente que ter uma significação temporal. Na realida-de, esse passado, quando era presente, não deve ter sido mais sedutor que o presente que nos obscurece e, creio, não falamos dos "velhos tempos" mais do que projetamos neles, sem nos darmos conta, o que o nosso presente pa-TEXTOS CLÁSSICOS
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Eugène, M. (2007). Le temps vécu: Études phénoménologiques et psychopathologiques. PHENOMENOLOGICAL STUDIES - Revista Da Abordagem Gestáltica, 13(2), 265–268. https://doi.org/10.18065/rag.2007v13n2.11
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