Este ensaio faz parte de um conjunto de estudos que discute o uso de abordagens influenciadas pelo pensamento único, fundamentadas no paradigma funcionalista, como lentes para compreender práticas sociais atravessadas por múltiplas racionalidades. Neste ensaio partimos dessa preocupação e buscamos marcos teóricos não-ortodoxos em Estudos Organizacionais. Para tanto, mobilizaremos as abordagens teóricas propostas por Boaventura Santos e Paulo Freire com o objetivo de lançar luz às ausências sociais produzidas ativamente pela razão indolente no campo disciplinar dos Estudos Organizacionais. A partir daí se pode inferir que as abordagens aqui propostas nos ajudam nos atos de denúncia das ausências artificialmente produzidas, bem como nos atos anúncios de outras sociabilidades, abrindo espaço assim, para o reconhecimento do novo, do que está em construção, e do que ainda não é. Palavras chaves: sociologia das ausências; sociologia das emergências, pedagogia do oprimido; estudos organizacionais. 2 Introdução Em Josefina, a Cantora ou O Povo dos Camundongos, Franz Kafka (1998) narra a história de uma comunidade de ratos, onde Josefina, ao exercitar seu assobiar, ao emitir seus singelos ruídos, consegue deter a audiência de toda sua comunidade. A voz de Josefina não é especial. Ela não é especial. Josefina nada representa a não ser a homogeneidade daquele povo, enquanto indivíduos singulares. São eles, pois, iguais em sua singularidade. Josefina luta para que seja dispensada do trabalho diário, em razão do seu ofício de cantora. Contudo, não obtém êxito e desaparece narcisicamente, na expectativa de ser valorizada por sua ausência. Erro de cálculo. O povo segue tranquilo, sem desilusão aparente, " uma massa que encontra em si mesma o equilíbrio " , certos de que não perderão muito (KAFKA, 1998. p. 59). O pensamento único/universalizante produz ausências e homogeneizações artificiais (SANTOS, 2002) a ponto de a singularidade de um sujeito desaparecer, como é o caso de Josefina, a cantora do conto de Kafka. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (2002), observa que vivemos, no presente, um tempo de ambiguidade e de transição, difícil de entender e de percorrer. Diante dessa constatação, o autor nos convida a refletir sobre novas possibilidades de sociabilidade produzidas a partir de experiências alternativas à razão indolente que emergem dos subterrâneos do pensamento hegemônico. O autor nos leva a questionar a racionalidade dominante que produz ativamente como não existentes as experiências sociais alternativas numa operação de expansão do presente e de contração do futuro, ocultando todas as temporalidades existentes e possíveis de existir. Os reflexos da razão indolente se fazem sentir nas ciências sociais em geral e em suas disciplinas relativamente autônomas como, por exemplo, as ciências das organizações, um campo de estudos importante no âmbito desse ensaio. Assim, lançando luz aos pontos mais recônditos do espaço social e, portanto, fazendo coro às reflexões de Boaventura de Souza Santos (ausência/emergência) bem como às de Paulo Freire (denúncia/anúncio) perguntamos: O que sabemos sobre Bradley Manning? Ou sobre Aaron Swartz? Quem foi Mohamed Bouazizi? Possivelmente muitos de nós não conheçamos estes nomes. Nada saibamos sobre o soldado americano que divulgou informações e vídeos sobre ataques a civis em Bagdá e ficou em confinamento solitário por mais de dois anos sem julgamento. E, o que sabemos sobre o jovem aficionado por tecnologia que salvou artigos científicos de uma importante base de dados paga para distribuí-los gratuitamente? Esse jovem foi processado criminalmente e, não suportando a pressão, suicidou-se recentemente. É de se pensar, por fim, que nos seja desconhecido, também, o suicídio por imolação do vendedor de frutas da Tunísia que protestava contra a apreensão de suas mercadorias. O que estes personagens têm em comum, além do fato de que suas histórias de vida, e de morte em alguns casos, serem desconhecidas do grande público? Todos eles ousaram insurgir-se contra o modelo de dominação vigente. Todos eles são desconhecidos, inexistentes, ausentes para o grande público. São ausentes porque produzidos como tal (SANTOS, 2002). São ausentes porque suas posturas confrontadoras e contestadoras são descridibilizadas e inviabilizadas pela hegemonia da razão indolente. Nem a mídia i
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Amaral, F. B., & Paes, K. D. (2017). Seres do Subterrâneo: Os Invisíveis do Mundo Moderno. Gestão.Org, 14(2), 367–380. https://doi.org/10.21714/1679-18272016v14n2.p367-380
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