Pode-se avaliar em cêrca de cinqüenta por cento da superficie do território nacional a área coberta por vegetação pobre: campos (especialmente cerrados) e caatingas. Dentre os fatores ecológicos que determinam o tipo de vegetação de um lugar qualquer, destaca-se, por sua maior importância, a água. Dai o grande interêsse de estudos de balanço hídrico, especialmente ñas regiöes de vegetação escassa. O presente trabalho foi executado, quase todo, no campo cerrado de Ernas, próximo de Pirassununga, Estado de São Paulo, e na caatinga de Paulo Afonso, Bahia. Os ambientes das duas localidades são caracterizados minuciosamente, quanto à temperatura, à umidade relativa, à evaporação, ao regime das chuvas, ao solo e suas reservas de água, etc. Pode-se dizer que as precipitacões pluviais em Paulo Afonso, representam aproximadamente metade das de Ernas; e que o valor da evaporacão na primeira localidade é, ao menos, o dôbro do que se verifica na segunda. Além disso, em Ernas, o solo do cerrado contém enormes reservas de água disponível para a vegetaçao, o que não sucede na caatinga. Duas listas reunem os principáis componentes da vegetação do cerrado e da caatinga, com seus nomes científicos e, quando possível, os vulgares. Os estudos da transpiração e da velocidade das reações estomáticas foram feitos pelo método de pesagens rápidas, com uma balança de torsão. As aberturas dos estômatos foram analisadas também pelo método de infiltração com xilol, e, as vêzes, observaçao direta, com microscópio de iluminação vertical. Foram estabelecidas curvas do andamento diàrio da transpiração de diversas especies características do cerrado, no inicio e no fim da estação sêca (1943). Três tipos principais de comportamento foram constatados: 1.° — plantas sem qualquer restrição do consumo dágua, no início e no fim da sêca: Andira, humilis, Kielmeyera coriacea, Erythroxylum suberosum e Echinolaena inflexa; 2.° — plantas sem restrição no início da sêca, porém com pequeña restrição no firn: Byrsonima coccolobifolia, Butia leiospatha, Didymopanax vinosum e Ouratea spectabilis; 3.° — plantas com pequena restrição já no inicio da sêca: Anona coriacea. O primeiro tipo é dominante, o segundo, de pequena freqüência, o terceiro, extremamente raro. Estudo análogo, na caatinga, foi feito em quatro épocas diversas: abril de 1952, Janeiro, julho e outubro-novembro de 1953. Abril e julna representam dois períodos de maior umidade na região; outubro-novem-bro e Janeiro, deis períodos muito sêcos. As plantas que foram estudadas sistemàticamente são: Spondias tuberosa, Maytenus rìgida, Caesalpinia pyramidalis, Jatropha phyllacantha, Astronium urundeuva, Bumelia sartorum, Aspidosperma pyrifolium e Zizyphus joazeiro. Os resultados obtidos revelam necessidade de grande restrição do consumo de agua para as plantas em geral, mesmo na estação chuvosa. As reações estomáticas, considerando-se tanto movimento fotoativo como o hidroativo, mostram muito maior velocidade na caatinga do que no cerrado. Aqui, es estômatos, ou não se fecham, ou o fazem imperfeitamente e com grande lentidão, em geral; mesmo à noite, a maioria das plantas mostram estômatos abertos. Na caatinga, os estômatos são de reações muito rápidas e, em geral, encontram-se abertos sòmente ñas horas de condições mais suaves, de manhã. A transpiração cuticular, no cerrado, raramente é atingida; quando ocorre é, em geral, elevada. Na caatinga, há plantas que ñas épocas mais sêcas transpiram apenas cuticularmente quase todo o dia; e mesmo essa transpiração é muito reduzida. Até na estação das chuvas, a maioria das plantas limitam-se a transpirar cuticularmente, a maior parte do dia. Os deficits de saturação das fôlhas são baixos, tanto no cerrado como na caatinga. São explicáveis, no primeiro caso, apesar do consumo irrestrito, pelo encontró de muita agua disponível no solo, agua essa que é absorvida e transportada com bastante eficiencia; na caatirga, ao contrario, explicam-se pela grande restrição no consumo de água. A anatomia das fôlhas das plantas cujo comportamento foi estudado, revela muitas adaptações xeromorfas no cerrado, adaptações essas quase totalmente inexistentes na caatinga: abundância de pêlos epidérmicos, estômatos abrigados no fundo de covinhas cuticulares ou de dobras da própria epiderme, abundância de escleritcs, de esclerênquima e de tecidos para reserva de água, etc. Conclusão: Não resta dúvida de que o ambiente da caatinga seja muito mais árido do que o do cerrado. O comportamento das plantas, com referência à água, revela boa adaptação das espécies naturais da caatinga às condições de escassez; no cerrado, o consumo irrestrito de agua é explicável pela falta de necessidade de economia. Entretanto, as plantas do cerrado são, em geral, muito mais xeromorfas do que as da caatirga, com a única exceção das Cactáceas, freqüentes na caatinga e quase inexistentes no cerrado. Isso leva a admitir que os elementos fisiológiccs são es que oferecem realmente maior proteçao à planta. Foram selecionadas, por conseguinte, na caatinga, sòmente as especies que dispõem dêsses elementos. No cerrado, puderam sobreviver mesmo as que possuiam apenas adaptações morfológicas de proteçâo contra a sêca, que só eventualmente, e sem grande intensidade, o atinge. Essa hipótese, entretanto, não explica a ausência de xeromorfismo na caatinga. Tal explicação é tentada no presente traballio, com base no balanço dos efeitos favoráveis e desfavoráveis que êsses elementos podem apresentar. No cerrado, os estômatos permanecem abertos todo o dia e as plantas dispãem de muito tempo para realizarem fotossintese. Na caatinga, êsse tempo é limitado a poucas horas, de alguns dias. Assim, qualquer obstáculo ao rendimento da fotossintese, pode ser de importancia decisiva na caatinga. O acesso de luz e de CO₂, por exemplo, deve ser dificultado por pelos e pela colocação dos estômatos no fundo de depressões. Ao contrario, se os estômatos estiverem bem expostos e forem dotados de reaçôes rápidas, a planta poderá realizar fotossintese logo que as condiçôes ambientes permitam mantê-los abertos, e evitará excesso de transpiração, fechando-os, assim que as condiçães se tornem mais severas. O cerrado de Ernas não parece representar o máximo de vegetação que as condições do ambiente permitiriam existir. A caatinga de Paulo Afonso, ao contrario, é um climax. Essa conclusão é importante do ponto de vista prático, pois permite supor a possibilidade de reflorestamento e de diversas culturas, mesmo sem irrigação, no cerrado, enquanto que na caatinga, isso será impossível. Neste caso, o reflorestamento deverá ser feito com especies de baixo consumo hídrico, escolhidas de preferência, entre as nativas, de valor econômico. Embora as presentes conclusães possam se aplicar a outros cerrados e caatingas, não o devem ser, a priori. Só a experimentação poderá indicar es casos aos quais elas se estendem, parcial ou totalmente. It can be said that about 50% of Brazilian territory is covered by poor vegetation: grasslands, "campos cerrados", (the so-called savannah) and the "caatingas". The remaining forests are being quickly felled, which makes still more urgent the necessity of a well-planned reforestation-program . For this one has to consider the ecological factors which determine the type of vegetation in a given area, and water stands as of prime importance, especially in arid and semi-arid regions. The present study was performed in its greater part in the "campo cerrado" of Ernas, near Pirassununga, State of São Paulo, and in the "caatinga" of Paulo Afonso, State of Bahia. Both habitats are characterized in detail, as to temperature, relative humidity, evaporation, precipitations, soil conditions, especially its water reserves, etc. One can say, in short, that in Paulo Afonso the yearly rains amount to about one half of those in Emas, and that evaporation is about twice as great in the first locality. It should also be recalled that the soil in Emas stores water in a quantity equivalent to the rainfalls of three years, whereas in Paulo Afonso there are no water reserves in the soil during practically the entire year; even the rivers dry out completely in the dry season which lasts seven months or more. Two extensive lists give the names of the most frequent species in both types of vegetation. Transpiration rates and the velocity of stomatic reactions were established by the method of rapid weighings with a Jung's torsion-balance. Stomatal openings were also analyzed by Molisch's infiltration method with xylol and sometimes by direct observation under a microscope with vertical illumination. Curves comparing the daily march of transpiration with the evaporation were established for several of the most characteristic plants of the "cerrado", in the beginning and in the end of the dry season (1943). Three principal kinds of behavior were found: 1) plants without any restriction of water expenditure in the beginning as well as in the end of the dry season: Andira humilis, Kielmeyera coriacea, Erythroxylum suberosum and Echinolaena inflexa; 2) plants without restriction in the beginning but with a small restriction in the end of the dry season: Byrsonima coccolobifolia, Butia leiospatha, Didymopanax vinosum and Ouratea spectabilis; 3) plants with a small restriction already in the beginning of the dry season: Anona coriacea. The first type was by far the most frequent; the second appeared with small frequency and the third was extremely rare. Observations in the "caatinga" were made in four different periods: April 1952, January, July and October-November 1953. April and July represent two periods of greater humidity in the region, and October-November and January are very dry. The plants that were under constant experimentation were: Spondìas tuberosa, Maytenus rigida, Caesalpinia pyramidalis, Jatropha phyllacantha, Astronium urundeuva, Bumelia sartorum, Aspidosperma pyrifolium and Zizypfrus joazeiro. The results obtained indicate the necess
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Ferri, M. G. (1955). Contribuição ao Conhecimento da Ecologia do Cerrado e da Caatinga. Estudo Comparativo da Economia D’água de sua Vegetação. Boletim Da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo. Botânica, 12(0), 7. https://doi.org/10.11606/issn.2318-5988.v12i0p7-170
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