AIDS e sua origem

  • Forattini O
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Abstract

Parece não haver dúvidas quanto o caráter novo da pandemia mundial de AIDS. Os primeiros casos foram detectados na África e nos Estados Unidos e a epidemia passou a adquirir importância no decurso do decênio de 1980. Não obstante, constitui ainda mistério a questão de sua origem. Admitindo-se como correta a hipótese de que o vírus precursor tenha passado de primatas para o homem, permanece sem explicação plausível o mecanismo pelo qual isso teria ocorrido. E mais ainda, porque após milhares de anos de coexistência de homens e primatas no Continente Africano, somente agora se deu a emergência da infecção humana pelo vírus aidético. A guisa de pano de fundo, há que se considerar o conceito de nidalidade para os agentes infecciosos e as múltiplas maneiras pelas quais eles interagem com seus hospedeiros, dentre os quais o homem. Se dessas interações resultam comunidades, as populações que delas participam têm seu próprio papel na repartição dos recursos disponíveis e ao qual se dá o nome de nicho ecológico de cada população, ou seja, de cada espécie (Forattini, 1992). Quando esta é representada por um agente infeccioso, a infecção que ele determina pode vir a desaparecer, local ou temporariamente, se ele se revelar ineficiente na transmissão. Em outras palavras, se, em média, a cada hospedeiro atual suceder menos de um novo. Obviamente, vários são os fatores para que essa situação ocorra, tanto naturais como artificiais. Dentre os primeiros pode-se mencionar o desenvolvimento da imunidade ou o desaparecimento da população hospedeira, enquanto os segundos referem-se às medidas de saúde pública. No que concerne à AIDS, há que se considerar mais de um agente viral HIV, muito semelhantes aos SIV, ou seja, os vírus da imunodeficiência simiana. Assim sendo, embora os primeiros óbitos atribuíveis a essa causa possam ter ocorrido nos anos 1950, acredita-se que a infecção tenha surgido nas regiões africanas central e oriental, uma vez que ali teve início sua maior freqüência e onde a infecção de primatas ocorre na natureza. Diante disso surgiu a tendência a se aceitar a hipótese de que o vírus da AIDS tenha se difundido na população humana a partir de sua presença em populações de macacos. Ou seja, que tenha encontrado a possibilidade de ocupar nicho ecológico interativo com o homem. O mecanismo graças ao qual isso possa ter ocorrido, não está ainda esclarecido. Vários são os aspectos que demandam explicações. Em primeiro lugar, a aparente benignidade da infecção por SIV entre primatas, contrastando com a extrema virulência da AIDS humana. Em segundo lugar e como já se mencionou, o porquê de, após milhares de anos de convivência, só agora deu-se a manifestação epidemiologicamente detectável da doença. Essas questões, ao que parece, constituem o âmago da misteriosa origem da AIDS. Várias são as hipóteses que podem ser aventadas para desvendá-las. Desde a simples questão de oportunidade e desta vir a se tornar mais freqüente em virtude das mudanças sociais resultantes da aglomeração urbana e do intercâmbio extremamente desenvolvido. Há também os que admitem a influência das transfusões sangüínas experimentais realizadas, no decurso deste século, para estudos de malária. Contudo, nenhuma delas é capaz de trazer explicações incontestes sobre a questão (Diamond, 1992). Em vista disso, torna-se lícito que outras teorias possam vir a ser aventadas. É sabido que os agentes infecciosos apresentam a possibilidade de emergirem sob novas formas para dar origem a epidemias. Algumas revelam-se associadas às mudanças do comportamento humano enquanto outras surgem de novas espressões gênicas (Krause, 1992). Estas podem ser representadas por mutação que atinge somente um único nucleotídeo da cadeia do DNA e, mesmo assim, ser essencial para o desenvolvimento da virulência. É conhecido o fato de a rapidez da taxa mutacional do HIV resultar em grande potencial de mudanças nas taxas de replicação. É por isso que, fora do período de latência, o vírus desenvolve-se intensamente no intervalo entre o surgimento dos sinais clínicos e a morte (Ewald, 1993). Por sua vez, o progresso da invasão antropogênica de qualquer espécie, ao longo do processo de homogeneização dentre as populações da comunidade invadida, está na dependência de fatores essencialmente dinâmicos. Em outros termos, a natureza das interações dessa espécie com as outras da comunidade invadida é a determinante do sucesso dessa invasão (Lodge, 1993). Porém, para que esse processo tenha sucesso e logre a estabilidade, essa interação deverá dar origem a novo nicho ecológico, ou então, assentar-se sobre nicho deixado vago. Esta última possibilidade torna-se admissível ao se considerar a atuação do ser humano extinguindo espécies da biosfera. E essa extinção não deve ser encarada apenas como a de animais e plantas no decurso das macro-alterações ambientais, mas sim também como resultado conscientemente colimado ao se planejar campanha de erradicação de doença infecciosa. Esta, sob o ponto de vista ecológico, nada mais representa do que a extinção de, pelo menos, uma espécie, a do agente infeccioso. Em logrando êxito, dá-se a vacância de um nicho, que poderá vir a

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Forattini, O. P. (1993). AIDS e sua origem. Revista de Saúde Pública, 27(3), 153–156. https://doi.org/10.1590/s0034-89101993000300001

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