O cuidado pertence à essência do humano e de tudo o que existe e vive. Tal verdade foi expressa exemplarmente pelo famoso mito do cuidado que nos vem da tradição romana (do escravo Higino, fábula nº 220). Esse mito constitui o núcleo central da obra maior de Martin Heidegger Ser e Tempo 1. Aí aparece claro que não é o espírito, a liberdade ou a criatividade que constituem a essência do ser humano. Essa essência reside no cuidado, aquela condição prévia que precisa ocorrer para que qualquer ser, mas especialmente o ser humano, possa irromper na existência. Foi pelo infinito cuidado de nossas mães que nós, sem nenhum órgão especializado, conseguimos viver e sobreviver. Deixados no berço, não saberíamos procurar o alimento necessário e morreríamos 2. Tudo o que fazemos vem, pois, acompanhado de cuidado. Tudo o que amamos também cuidamos. Tudo o que cuidamos também amamos. O cuidado é tão essencial que é por todos compreendido. Porque todos o experimentamos a cada momento seja ao andar na rua, seja dirigindo o carro e seja na relação para com os doentes confiados ao corpo médico. Três sentidos básicos são expressos pelo cuidado. Ele significa, primeiramente, uma relação amorosa, suave, amigável e protetora para com os enfermos. Num sentido mais amplo, o cuidado é visto como um novo paradigma. Ele se confronta com o paradigma da modernidade que reside na vontade de poder como dominação, como uma mão que agarra e se apropria. Contrariamente, o cuidado é a mão que acaricia e acolhe. Em segundo lugar, o cuidado é todo tipo de envolvimento que possuímos com os doentes face aos quais, de certa forma, devotamos empatia e vontade de curar. Vera Regina Waldow, uma enfermeira que soube unir uma vasta experiência com uma segura reflexão teórica escreveu: "Os objetivos de cuidar envolvem, entre outros, aliviar, confortar, ajudar, favorecer, promover, restabelecer, restaurar, dar, fazer. O cuidado mesmo na ausência de alguma enfermidade e no cotidiano dos seres humanos, é também imprescindível, tanto como uma forma de viver como de se relacionar" 3 (p.89). Uma terceira dimensão do cuidado é a que liga os seres humanos ao planeta Terra. A partir da visão dos astronautas que puderam ver a Terra de fora da Terra, ficou claro que Terra e Humanidade formam uma única entidade, como um todo vivo e orgânico. A Terra é viva. Nós somos aquele momento de sua alta complexidade que começou a sentir, a pensar, a amar e a cuidar. Somos Terra, pois homem (ser humano) vem de húmus, terra fértil e fecunda. Há uma relação tão estreita entre nós e a Mãe Terra que se nós a fazemos adoecer, superexplorando-a, nós mesmos adoecemos. E quando adoecemos, afetamos também a saúde da Terra. Há, pois, uma comunidade de destino comum entre nós e a Terra. Unindo os três sentidos aqui aportados, podemos dizer que a atividade médica e de todos os profissionais de saúde emerge também como uma atividade política e ecológica, de cuidado e salvaguarda da Terra e, com ela, das vidas humanas e de toda a comunidade de vida. Eis que se levanta uma questão: quem cuida do cuidador? Como todos os seres humanos, os operadores da saúde estão sujeitos às limitações da condição humana, vigorosa e frágil, saudável e doentia, psicologicamente forte e débil. Eles também sentem a necessidade do cuidado. Quem cuida do cuidador? É uma equipe de médicos/as e enfermeiros/as que se articulam para dar suporte humano ao companheiro ou companheira sob estresse. Cuidar não é um ato, mas uma atitude permanente e, não raro, desgastante. Esse cuidado empático reanima a pessoa que volta a exercer o seu trabalho/missão com senso da ética do cuidado. Leonardo Boff (https://orcid.org/0000-0001-7633-3360) 1 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro RJ Brasil. Referências 1. Heidegger M. Ser e tempo.
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Boff, L. (2020). O Cuidar e o ser cuidado na prática dos operadores de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 25(2), 392–392. https://doi.org/10.1590/1413-81232020252.31002019
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