O consumo de alimentos, ainda que seja um hábito que supostamente deveria atender a uma necessidade básica comum a todos os seres humanos, é afetado pelo processo de consolidação do consumismo na sociedade moderna que alterou um princípio fundamental: a definição do que seriam as necessidades básicas comuns; esta afirmativa pode estar atrelada, em definitivo, ao processo de desperdício de alimentos. Por mais básica que possa aparentar ser a necessidade humana de se alimentar, é imprescindível – para a compreensão da situação hodierna dicotômica entre a fome e a opulência – localizar a comercialização e o consumo de alimentos dentro dessa teia de significados reorganizados pela “fome” socialmente imposta por ideias mercantilistas. A partir de revisões de bibliografias que pautam o desperdício de alimentos, a liquidez do consumo, a cultura alimentar moderna e uma fusão com uma vivência etnográfica feita na Feira de São Joaquim na cidade de Salvador, o presente estudo nasceu da necessidade de entender por que, apesar de o desperdício de alimentos se manter como uma realidade crescente e preocupante em todo o mundo, grandes quantidades de alimentos ainda são descartadas por não se encaixarem nos padrões “estéticos” da grande maioria da sociedade? Logo, há-se a necessidade de refletir sobre o que pode ser considerado “lixo” quando se fala em alimentação e de que forma as ideias de consumo na sociedade moderna influenciam o descarte desses alimentos. O consumo parte da intencionalidade dos sujeitos de “vender-se”, ou seja, de, mediante a avaliação externa positiva, galgar posição social superior. Estes, suscetíveis a aceitações e rejeições, inserem-se em parâmetros estabelecidos socialmente numa hierarquia de consumo, na qual quão “melhores” forem os produtos consumidos, melhores sujeito serão; posicionando os indivíduos como mercadorias antes mesmo de se firmarem como sujeitos. Tal contexto contribui para que a população jogue no lixo porções de comida adequadas para o consumo, desperdiçadas pela vaidade em valorizar o consumo constante de comidas industrializadas. Dessa maneira, se desde os primórdios a necessidade básica comum era puramente a satisfação biológica e nutricional do corpo, com a emergência das ideias consumistas na modernidade, esse princípio passa a competir com aquele que valoriza o consumo como um mecanismo de promoção social sob uma lógica da mercantilização da vida e da sobrevalorização do bem individual em detrimento do coletivo. Por fim, sob um enfoque crítico da dinâmica global, é possível identificar que o consumo, em seu auge na era capitalista, nos insere em hábitos forjados que reforçam a estética do produto e mascaram as desigualdades. Hoje, em todo o mundo se produz muito mais do que se consome, provocando um alto índice de desperdício de alimentos; o que, em contrapartida, contribui diretamente para que populações inteiras continuem vivendo sob uma ótica de vulnerabilidade social e insegurança alimentar severa.
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Rigaud, J. P. D. O., & Tavares Filho, R. A. (2019). Desperdício alimentar. Revista Ingesta, 1(2), 109–110. https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i2p109-110
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