Este artigo trata do cotidiano de velhos habitantes de Porto Alegre, a partir da suas reconstruções narrativas das experiências temporais que delineiam trajetórias de vida. Refere-se a uma população de segmentos médios que de alguma forma experienciou as transformações urbanas da localidade e compartilhou de interpretações sócio-históricas e políticas a partir de inúmeras modalidades de simbolização: meios de comunicação de massa, formas de sociabilidade formais e informais, etc. Tomamos as narrativas como sendo a maneira singular de problematizar o caráter temporal de suas experiências de vida, exteriorizando valores interiorizados cotidianamente pelo sujeitonarrador, evidenciando a complexidade das tramas cotidianas de inserção nos contextos sociais, da negociação dos papéis e performances demandados e do desempenho no ato comunicativo/vivido. Trata-se de “redescobrir a autenticidade do sentido graças a um esforço de desmistificação”, nos termos de Paul Ricoeur, tentando compreender o que descreve, para descobrir seu sentido, um método, portanto hermenêutico ou interpretativo” (Japiassu In Ricoeur, 1988: 3-4). A narrativa da experiência que analisamos, neste artigo, dizem respeito a configuração de uma cultura do medo na cidade a partir do trabalho da memória, evocando no presente suas experiências que processam as feições dos medos assimiláveis aos “dramas culturais” (Turner, 1974), na tentativa de exprimir, o sentido “dizível” da existência e da vida, tecendo na memória narrativa um sentido cultural que ultrapasse o caráter episódico de experiências vividas. Em seus relatos, contrastam um cenário de violência no tempo atual com lembranças do passado, abordando de múltiplas formas o tema do medo, mapeando nos jogos descontínuos/contínuos de suas representações, imagens da cidade-contexto em que constroem sua “identidade como geração” (Lins de Barros, 1995:92). No processo de atualizar suas interpretações sobre a cidade que contextualiza suas experiências de vida, as feições dos medos tomam múltiplascolorações. Nesse repertório simbólico de viver numa cidade violenta, não raro reafirmam as representações envoltas por um discurso de "poder" sobre o agravamento das situações de violência e uma dinâmica criminal, sobretudo divulgado pela mídia.
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Eckert, C. (2002). Cultura do medo e as tensões do viver a cidade: narrativa e trajetória de velhos moradores de Porto Alegre. ILUMINURAS, 3(6). https://doi.org/10.22456/1984-1191.9141
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