Como bem nos ensinou Thomas Kuhn, as revoluções científi cas vêm acompanhadas de radicalismos e extremismos. Métodos e práticas de pesquisa, amplamente adotados em uma época, são execrados nos anos seguintes. Esse processo dinâmico de avanços e retrocessos é bem típico da complexa rede social que envolve a produção da ciência como profi ssão "a la Weber". Dentro desse processo, o comportamento dos pesquisadores e seus incentivos têm papel importante nos rumos que a ciência acaba por tomar-tudo, obviamente, recheado de muita retórica para não deixar Macloskey de fora desse breve editorial. O momento pelo qual passa a pesquisa em Contabilidade no Brasil (e, por que não dizer, em tantos lugares no mun-do?) parece ilustrar bem esse ciclo de evoluções científi cas. Tomada por uma tardia revolução metodológica, a produção de conhecimento científi co em Contabilidade no Brasil apresenta, nos últimos anos, importantes sinais de preocupação com o método de investigação, desenvolvimento de hipóteses fundadas na teoria e validação dos resultados entre outras características comuns do método científi co. Paralelamente a essa importante evolução no campo metodológico, outro fenômeno parece estar vindo à tona: estamos nos esquecendo de nosso objeto de estudo fundamental-a Contabilidade. Os trabalhos apresentados em congressos e periódicos, em nossa área, estão cada vez mais focados nos aspectos formais e burocráticos da pesquisa sem a devida atenção às implicações efetivamente contábeis dos resultados encontrados. Quando Watts e Zimmerman criticaram a pesquisa normativa em Contabilidade, referiam-se à falta de preocupação metodológica de alguns autores e não à ausência de relevância dos trabalhos realizados ou ao pouco conhecimento ins-titucional de Contabilidade dos autores. A ciência deve evoluir e não se dividir. Os mais importantes e profícuos autores da Academia Internacional de Contabilidade possuem profundo conhecimento do método aliado ao domínio dos aspectos institucionais da Contabilidade. A contribuição que temos condições de fazer à academia mais amplamente concebida está em nosso detalhado conhecimento de Contabilidade e não de Econometria ou Finanças-pesquisadores em outros Depar-tamentos têm habilidades maiores do que as nossas nesses ramos. A nossa contribuição à sociedade em geral e à comuni-dade científi ca em particular advém dos nossos resultados relacionados com as propriedades da informação Contábil. Pensamos que a Revista de Contabilidade e Finanças não deve ser confundida com uma Revista de Contabilidade ou Fi-nanças. A interdisciplinaridade é extremamente necessária e bem-vinda em nossa área desde que traga insights importantes para a Contabilidade. Não deveríamos permitir que nossas revistas, bem como nossos Departamentos, virem um refúgio de pesquisadores, talvez não muito bem sucedidos de outras áreas, buscando competir em um ambiente mais propício. Num Departamento de Contabilidade, a endogenia absoluta, sem dúvida, é um mal. Mas, também, não vamos ao outro extremo de ter uma minoria de Contadores bem como de artigos que versam, primariamente, sobre Contabilidade. No passado, ouvíamos muito a discussão de que a Contabilidade seria a profi ssão do futuro, do século XXI. A Con-tabilidade não será relevante no futuro. Ela já é! Todos os resultados empíricos demonstram a enorme importância das informações contábeis para os agentes econômicos. Isso signifi ca que as pesquisas empíricas provam que o que existe de Contabilidade, desenvolvida pelo normativismo, por muito que ainda precise progredir, é de uma riqueza enorme. O normativismo não foi inútil e não criou instrumentos sem valor! Muito pelo contrário, o que existe de teoria e na prática profi ssional da Contabilidade veio quase tudo desse movimento. Nós, como pesquisadores, temos que mostrar que estamos aptos a investigar esse importante fenômeno social em suas inter-relações com o Direito, a Sociologia, a Psicologia, a Economia... Nossa preocupação fundamental, todavia, deve ser a informação contábil, a Contabilidade, enfi m. E o que precisamos é, ao lado de continuar o trabalho empírico e levantar erros e acertos da Contabilidade normativa, aprender a desenvolver essa Contabilidade normativa com base em fundamen-tações mais sólidas a partir de pesquisas também empíricas e não apenas do dedutivismo entre paredes. Mas precisamos lembrar que a Contabilidade é o nosso foco, o nosso objetivo, e os instrumentos de pesquisa, inclusive os quantitativos, são, para nós, instrumento, meio, e não fi m.
CITATION STYLE
Lopes, A. B., Iudicibus, S. de, & Martins, E. (2008). Editorial: sobre a necessidade de se estudar Contabilidade e (e não ou) Finanças. Revista Contabilidade & Finanças, 19(47), 5–5. https://doi.org/10.1590/s1519-70772008000200001
Mendeley helps you to discover research relevant for your work.