Assim como os antropólogos, seguindo Lévi-Strauss, afirmam a evidên-cia de temas bons para se pensar, é possível também acrescentar a essa assertiva a existência de lugares bons para se pensar. Bons, por suscitarem a emergência de problemáticas transcendentes ao próprio contexto de enun-ciação, integrando-se ao acervo dos notórios assuntos universais. Refiro-me aqui a Berlim, cidade onde questões alusivas à memória e suas expres-sões discursivas e estéticas parecem relevantes sob diversos aspectos. O passado da cidade e do país como símbolo da história mundial; a divi-são espacial no contexto da Guerra Fria; a unificação figurada na " queda do muro " que se tornou emblema contemporâneo da democracia e da derrocada do socialismo. Em síntese, a cidade de Berlim é celeiro de um conjunto vasto de memórias que parecem inesgotáveis e em permanente evocação. As imagens topográficas, acompanhadas de descrições e roteiros difun-didos hoje em postais, catálogos e guias turísticos, são expressões de narrati-vas da cidade. Apresentam formas dispersas e fragmentadas de pequenos relatos adequados à fluidez e à descontinuidade da vida urbana, constituin-do uma importante via de pesquisa das representações e das memórias projetadas no espaço. É sobre esse material informativo que se detém a pers-pectiva de reflexão do presente texto, voltado à análise do modo como dife-rentes espaços, monumentos e edificações são evocados e submetidos a pro-Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1 300 Os guias turísticos em Berlim, pp. 299-320 cessos simbólicos revelados na disputa entre memórias e constantes defini-ções da relação entre passado e presente 1 . Os guias turísticos não se separam das imagens construídas e recons-truídas da cidade, em diferentes circunstâncias de sua história. Nessa pers-pectiva, as idéias aqui expostas priorizam, sobretudo, as referências aos momentos de destruição da cidade durante a Segunda Guerra Mundial, à divisão posterior do espaço berlinense e à construção da " Nova Berlim " . As narrativas, na condição de metáforas tomadas por empréstimo do mundo literário, expressam discursos instituídos sobre a cidade, originados de diferentes fontes. Discursos que são não apenas fruto de práticas e inter-venções de diferentes atores sociais, mas expressão de formas legitimadas de apresentar a cidade. O passado e sua manifestação como patrimônio cultu-ral não se separam de uma política da memória, considerando-se a eleição feita do que permanece, do que se preserva e do que se expõe como reminis-cência temporal (cf. Choay, 1999). Uma rápida exposição sobre os guias e os catálogos da cidade de Berlim torna-se relevante no desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. Guias turísticos: um espaço peculiar de construção de narrativas
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Barreira, I. A. F. (2005). Os guias turísticos em Berlim. Tempo Social, 17(1), 299–320. https://doi.org/10.1590/s0103-20702005000100013
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