Kraepelin e a criação do conceito de “Demência precoce”

  • Pereira M
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O nome de Emil Kraepelin estará para sempre ligado à construção dos fundamentos da moderna disciplina psiquiátrica, em sua vertente nosológica e nosográfica. Nascido no mesmo ano que Freud – 1856 –, este alemão natural da cidade de Neustrelitz, desenvolve seus estudos de medicina em Würzburg. Em 1876, ele realiza um curto estágio no laboratório de psicologia experimental de Wilhelm Wundt, que marcaria profundamente o restante de sua carreira. Wundt teria encorajado Kraepelin a dedicar-se ao estudo da psicopatologia e, mais tarde, a escrever seu Kompendium der Psychiatrie, publicado em 1883, que viria a constituir a primeira edição de seu imortal Tratado de psiquiatria. Sobre a esteira de Wundt, Kraepelin esperava que a psicologia experimental pudesse vir a fornecer à psiquiatria a ciência de base sobre a qual assentar seus fundamentos, até ali tão incertos. Em 1878, Kraepelin defende, em Munique, sua tese intitulada " O lugar da psicologia na psiquiatria " , que teve por orientador o célebre Johann von Gudden, de quem seria assistente durante quatro anos. 127 C L Á S S I C O S DA PSICOPATOLOGIA Retornando a Leipzig, Kraepelin trabalhará no serviço de Paul Flechsig até 1886, quando será nomeado professor na Universidade de Dorpat. Nos quatro anos que ali permaneceu, o grande psiquiatra alemão conseguiu criar um laboratório de psicologia experimental, apesar dos parcos recursos disponíveis. Logo em seguida, em 1891, Kraepelin é chamado a ocupar a cátedra de Psiquiatria da Universidade de Heidelberg, vindo a assumir também a direção da famosa Konigliche Psychiatrische Klinik, internacionalmente reconhecida. Nessa Universidade, teve como assistente, entre outros, Aloïs Alzheimer que viria a descrever o quadro demencial que ainda hoje porta seu nome. Entre 1883 e 1915, seriam escritas as oito edições de seu Lehbuch der Psychiatrie, constituindo um dos pilares de fundação da moderna psiquiatria. Nesse Tratado, Kraepelin retoma toda a tradição semiológica da psiquiatria européia para fornecer sucessivas propostas de construção de entidades nosológicas nesse campo, bem como um sistema para sua classificação. Formado na escola organicista e neuropatológica alemã do século XIX (Postel & Quetel, 1983: 658), Kraepelin considerava que a psiquiatria lidava com entidades mórbidas inscritas no campo das ciências naturais. Tratava-se, pois, de descrever e classificar doenças mentais. Seu método baseava-se na observação e descrição minuciosa dos fenômenos clínicos, buscando delimitar seus agrupamentos típicos e, sobretudo, sua evolução e seu " estado terminal " . A colocação em evidência de formas típicas e constantes de início, evolução e de desfecho de uma determinada constelação patológica é o que permitiria, a seus olhos, precisar a " história natural " daquela doença mental. Esforçava-se, pois, por delimitar o perfil clínico das diferentes entidades mórbidas tanto em termos sincrônicos quanto longitudinais, situando cada uma das patologias em um sistema nosográfico coerente. Essa seria, segundo o projeto kraepeliano, a etapa nosológica e classificatória inicial, aguardando que os avanços da neuropatologia e da psicologia experimental pudessem dar a explicação científica dos fenômenos psicopatológicos identificados. A hipótese subjacente a esse método era a de que mesmas " enfermidades " deveriam apresentar histórias naturais e desfechos clínicos semelhantes. Bastante marcante, nesse sentido, é o esforço de Kraepelin de evitar que qualquer interpretação de caráter psicológico viesse a interferir na objetividade do processo descritivo. Era, pois, necessário ater-se estritamente ao plano da experiência e da observação, pouco importando os esforços auto-interpretativos da parte do paciente. No que concerne especificamente ao campo das psicoses agudas e crônicas, Kraepelin realiza uma operação nosológica decisiva na compreensão desses fenômenos. Aplicando seu método de observação longitudinal das entidades mórbidas a três tipos clínicos distintos previamente delimitados e aceitos na tradição psiquiátrica – a catatonia de Kahlbaum, a hebefrenia de Hecker e uma forma psicótica delirante, por ele denominada de paranóide – Kraepelin buscará demonstrar que se tratam, em

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Pereira, M. E. C. (2001). Kraepelin e a criação do conceito de “Demência precoce.” Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 4(4), 126–129. https://doi.org/10.1590/1415-47142001004011

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