Na montagem da Academia brasileira – batizada em 1826 com o nome de Imperial Academia de Belas Artes –, a viagem à Europa desempenhou, des-de o início, um papel estratégico: permitia que os aspirantes à carreira artís-tica se defrontassem com as obras e os ensinamentos dos " grandes mestres " . Esses funcionavam como modelos que deveriam guiar a produção dos mais jovens, lições a serem incorporadas. Foi durante a gestão de Félix Émile Taunay, em 1844, com a regulamentação do Prêmio de Viagem aos melho-res alunos, que finalmente se concretizou a meta de enviar alunos ao exterior. Até 1855, Roma, vista como o berço do classicismo, constituía o princi-pal destino dos estudantes. Mas, aos poucos, a capital italiana cedeu espaço para Paris, alçada à condição de metrópole cultural do século XIX. A cidade luz concentrava o mais notável conjunto de instituições artísticas de outro-ra, como o enciclopédico Museu do Louvre, a escola de formação de artis-tas acadêmicos mais reputada mundialmente – École des Beaux-Arts (EBA) – e o espaço por excelência de consagração dos artistas: o afamado Salon anual. Paralelamente a essas imponentes instituições, publicamente governadas, havia toda uma rede de ateliês de artistas e escolas particulares que orbitavam o sistema oficial. Tamanha concentração de atrativos seduzia jovens aspirantes às carrei-ras artísticas dos quatro cantos do mundo, com percursos e motivações bastante diversas. Entre eles alguns não passavam de amadores endinheira-Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1 344 A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX, pp. 343-366 dos em busca de refinamento cultural, vendo nas belas-artes um passatem-po importante e estimulante; outros aproveitavam seus períodos de férias para receberem lições com mestres renomados e, em especial, havia aque-les que eram obrigados, por serem bolsistas da academia nacional, a esta-giarem em instituições previamente escolhidas dentro de um rígido pro-grama de estudos. Para esses, a Académie Julian era, na França, o primeiro endereço. A escola inaugurada em 1867 por Rudolf Julian (1839-1907) – um antigo aluno de Léon Cogniet e Alexandre Cabanel, pouco notável por seus dotes como pintor – inicialmente restringia-se a uma pequena sala na Pas-sage des Panoramas, situada em Montmartre. Em 1880, ao lado daquele espaço, o diretor abriu um curso exclusivamente para mulheres, a princípio com poucas discípulas, não mais de quarenta. Em pouco tempo, porém, seu empreendimento se tornou um império: em 1885 a escola já possuía quatrocentas alunas e, quatro anos mais tarde, atingia a cifra de seiscentas. Em duas décadas o diretor inaugurara nove ateliês espalhados pela cidade de Paris, entre os quais cinco dirigidos aos alunos do sexo masculino e os demais às mulheres 1 . No último quartel do século XIX, mais precisamente entre 1882 e 1922, contabilizou-se, segundo os documentos encontrados nos Archives Nationales e nos arquivos particulares do senhor Del Debbio, a passagem de 75 homens e catorze mulheres brasileiros pela instituição (cf. Simioni, 2004) (consultar tabela ao final). Apesar do contingente significativo, essa escola tem sido menos estudada pelos interessados em história da arte bra-sileira do que a École des Beaux-Arts, sobre a qual recai, comumente, o foco de interesse dos estudos brasileiros sobre arte acadêmica 2 . Porém fo-ram poucos os artistas patrícios que, segundo a documentação encontrada, realizaram de fato estágios duradouros na prestigiosa instituição oficial: Al-meida Júnior (em 1878), Pedro Américo de Figueiredo e Mello (em 1863), Rodolfo Amoedo (em 1899), Lucílio de Albuquerque (em 1910) e sua esposa, Georgina de Albuquerque (em 1910), a única mulher compa-triota a vencer as exigentes provas de ingresso no período estudado 3
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Simioni, A. P. C. (2005). A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX. Tempo Social, 17(1). https://doi.org/10.1590/s0103-20702005000100015
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