Imagine-se que alguém comparasse uma colher com uma maçã, e manifestasse sua clara preferência pela segunda. A perplexidade do interlocutor seria enor-me. Pois bem, fiquei quase tão perplexo quando li esse artigo comparando a administração pública gerencial com a "gestão social". Conheço bem o que é a gestão pública moderna, ou a administração pública gerencial, já que me envolvi profundamente no desenvolvimen-to de uma teoria democrática e participativa para ela, e fui o responsável inicial pela realização da Reforma da Gestão Pública de 1995-1998. Trata-se de uma nova forma de organizar e administrar o Estado, que se opõe à administração pública burocrática, a qual pretende substituir. Não se trata de uma forma de governar, de escolher entre um regime democrático meramente liberal ou um regime democrático participativo, mas de saber como gerir o aparelho do Estado e os serviços sociais e científicos que o Estado decide financiar. Já o conceito de gestão social, na forma como é apresenta-do no artigo, não é uma forma de organizar e adminis-trar o aparelho do Estado, mas um aspecto da demo-cracia participativa. Segundo o artigo, [...] um aparelho do Estado com características parti-cipativas deve permitir a infiltração do complexo te-cido mobilizatório, garantindo a legitimidade das de-mandas populares. Para isso é preciso criar arranjos institucionais que organizem a participação nas dife-rentes esferas governamentais que sejam dinâmicas o suficiente para absorver as tendências cambiantes ine-rentes à democracia (p. 44). O exemplo oferecido de gestão social é o Orçamento Participativo, que é uma experiência bem-sucedida de democracia participativa em âmbito local. O artigo está comparando, portanto, duas coisas muito diferentes: um tipo de administração pública e uma forma de go-verno ou de regime político. De acordo com a classificação histórica que desen-volvi de democracias, tivemos inicialmente, nos paí-ses mais avançados, na primeira metade do século XX, uma democracia de elites ou schumpeteriana; na se-gunda metade, uma democracia de opinião pública ou social; e estamos começando a assistir à transição para uma forma superior de democracia: a participativa ou republicana. A administração pública gerencial, que tenho chamado também de gestão pública, pressupõe a existência de um regime democrático, já que seu prin-cípio mais geral é dar mais autonomia aos gestores públicos em troca de um responsabilização maior da sua parte, que é possível apenas numa democracia. Não define, porém, qual é o tipo de democracia, se de elites , de opinião publica, ou participativa. Pessoalmente, tenho uma declarada preferência por uma democracia participativa e republicana, e, por isso, o modelo de administração gerencial que desenvolvi em meus trabalhos tem um claro sentido participati-vo. O mesmo se expressa, fundamentalmente, em uma das três formas de controle específicas da gestão pú-blica. Enquanto a administração pública burocrática controla por regulamentos detalhados, supervisão e auditoria, a gestão pública reduz esses controles e au-menta o papel da administração por resultados, da concorrência administrada por excelência e do con-trole ou responsabilização social. É por meio desta última forma de controle que a ad-ministração pública gerencial do tipo que defendo e que procurei implantar no Brasil-há outros tipos, inclusi
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Bresser-Pereira, C. (2005). Réplica: comparação impossível. Revista de Administração de Empresas, 45(1), 50–51. https://doi.org/10.1590/s0034-75902005000100006
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