55 UITAS COISAS sabe a raposa; mas o ouriço uma grande " . A partir deste verso do poeta grego Arquíloco, Isaiah Berlin propôs sua conhecida classificação de escritores e pensadores. Os ouriços seriam aqueles que tudo referem a uma visão unitária e coerente, a qual opera como um projeto organizador fundamental de tudo o que pensam. Tendem, portanto, a uma pers-pectiva centrípeta e monista da realidade. As raposas seriam aqueles que se interes-sam por coisas várias, perseguem múltiplos fins e objetivos, cuja interconexão, ademais, não é nem óbvia nem explícita. A tendência que aí se manifesta é centrí-fuga e pluralista. A classificação ouriço/raposa apresenta, como qualquer dicotomia, o risco da simplificação, mas pode ser um ponto de partida para análises extremamente fecundas. É o caso, se tiver como nota um distinguo, ou seja, uma capacidade heurística de indicar diferenças e dissimilitudes. Esta capacidade, como aponta Hobbes, é um ingrediente do discernimento indispensável para um bom julga-mento. A qualidade deste juízo tende a aumentar (diria eu, como raposa) se, adicio-nalmente, a dicotomia não partir de uma visão taxativa de duas partes incomuni-cáveis, num aut/aut que absolutiza a diferença, mas for concebida como pólos de um contínuo com função pluralista voltada para iluminar uma realidade ontologicamente complexa. É nesta linha, seguindo a lição metodológica de Norberto Bobbio, que me valerei da dicotomia raposa/ouriço para discutir a con-tribuição de Hannah Arendt para a temática dos direitos humanos, fruto de uma reflexão sobre o significado do totalitarismo.
CITATION STYLE
Lafer, C. (1997). A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados, 11(30), 55–65. https://doi.org/10.1590/s0103-40141997000200005
Mendeley helps you to discover research relevant for your work.