O debate sobre a Reforma do Estado tem certamente na descentralização um de seus pontos centrais. Até muito recentemente, parecia reinar quase absoluto consenso em torno de suas virtudes e, por razões diversas, ao longo dos últimos anos, diferentes correntes de orientação política têm articulado positivamente propostas de descentralização a diversas expectativas de superação de problemas identificados no Estado e nos sistemas políticos nacionais. Como se sabe, na década de 80 ocorreram reformas de tipo descentralizador em um número expressivo de países. 1 É certo que tais reformas foram realizadas segundo estratégias distintas, sendo as mais conhecidas a desconcentração, a delegação, a transferência de atribuições e a privatização ou desregulação. 2 Um movimento tão expressivo dá a impressão de que "a roda da história pende para a descentralização''. Neste mesmo movimento, ocorreu uma significativa convergência de opiniões, na qual correntes à direita e à esquerda do espectro político impingiram a este tipo de reformas um lugar de destaque nos processos de reforma do Estado, dadas suas esperadas potencialidades no campo da democratização das relações políticas 3 e no campo da eficiência e eficácia da gestão pública. 1 De 75 países considerados em vias de desenvolvimento ou em economias de transição, 63 teriam implementado reformas na quais teria ocorrido um processo de transferência de poder político para os governos locais (DILLINGER, 1995:1). 2 Por desconcentração entende-se a transferência da responsabilidade de execução dos serviços para unidades fisicamente descentralizadas, no interior das agências do governo central; por delegação entende-se a transferência da responsabilidade na gestão dos serviços para agências não-vinculadas ao governo central, mantido o controle dos recursos pelo governo central; por transferência de atribuições entende-se a transferência de recursos e funções de gestão para agências não-vinculadas institucionalmente ao governo central e, finalmente, por privatização ou desregulação entende-se a transferência da prestação de serviços sociais para organizações privadas. 3 É interessante observar que em torno da descentralização como instrumento necessário de democratização das relações políticas agregaram-se correntes de origens políticas muito distintas. Defendem esta nova forma de gestão dos assuntos do Estado aqueles que, com base nos velhos preceitos de liberalismo político, reclamam instrumentos de proteção das liberdades individuais contra as ameaças de um Estado necessa-riamente invasivo, bem como aqueles que, com base em ideais libertários, reclamam um aprofundamento da vida democrática e, portanto, formas de superação dos limites da democracia representativa.
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Arretche, M. (1997). O mito da descentralização como indutor de maior democratização e eficiência das políticas públicas. In A miragem da pós-modernidade: democracia e políticas sociais no contexto da globalização (pp. 127–152). Editora FIOCRUZ. https://doi.org/10.7476/9788575413975.0010
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