Vamos supor que após ler este artigo, você guar-de na sua memória tardia uma parte do que leu. Provavelmente você estará utilizando para isto uma das menores e mais versáteis moléculas do seu organismo: o óxido nítrico (NO-Nitric Oxide). Esta pequena e simples molécula, talvez a menor produzida pelos mamíferos, tem efeitos fascinan-tes desde a manutenção inicial da vida, através do controle da circulação placentária, ou a indução do início da vida através da regulagem das contrações uterinas no trabalho de parto, como também efei-tos letais demonstráveis, por exemplo, no choque séptico. O óxido nítrico é um importante neuro-transmissor com capacidade potencializadora, atuando na memória e no aprendizado, podendo também ter ações endócrinas, autócrinas e pará-crinas. A sua ação na imuno-regulação está pre-sente na inflamação e nos mecanismos de autoi-munidade. Esta molécula tem revolucionado e obrigado revisão de paradigmas da medicina, prin-cipalmente em neurologia, cardiologia, nefrologia e gastroenterologia. Este artigo procura mostrar os mecanismos de síntese e formação do óxido nítrico apresentando a enzima envolvida-síntase do óxido nítrico (nitric oxide synthase-NOS) e os efeitos do NO como mensageiro nos principais sistemas do organismo. O início A evidência inicial de óxidos de nitrogênio no metabolismo vieram de experimentos que demons-traram produção de nitratos em camundongos germ-free no início da década de 80 1. Em 1985 demonstrou-se que macrófagos ativados por lipo-possacárides bacterianos eram capazes de levar à produção de nitritos e nitratos 2. Na seqüência evidenciou-se que a L-arginina era o substrato e a L-citrulina era formada como co-produto 3. Em 1988, Marletta identificou o óxido nítrico como o produto da reação de oxiredução da L-arginina 4. Quase que simultaneamente, Furchgott investi-gava um fator vasodilatador associado ao endotélio vascular (endothelium-derived relaxing factor-EDRF 5 e poucos anos mais tarde concluiu-se ser o NO responsável pela atividade biológica do EDRF 6. Durante o final da década de 80 e início de 90, a comunidade científica aprofundou pesquisas nes-ta direção, adicionando importantes conhecimen-tos sobre o NO como mensageiro (ou sinalizador inter e intracelular) e como toxina, atuando em inúmeros processos patológicos. Características, síntese e metabolismo do NO O óxido nítrico é uma molécula gasosa simples, habitualmente encontrada no ar atmosférico em pequenas quantidades, altamente tóxica devido à presença de radical livre (elétron extra) que a torna um agente químico altamente reativo. Quando di-luído, o NO tem uma meia vida de menos de 10 segundos devido à sua rápida oxidação a nitrito e nitrato. O NO liga-se à hemoglobina e outras prote-ínas que contém o núcleo heme levando ao término de sua atividade biológica 7. A fig. 1 indica a clássica reação química de formação do NO, em que a L-arginina é transfor-mada em um intermediário, a N G-hidroxi-L-argi-nina com a presença de nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-fostato-hidrogênio (NADPH) e Ca 2+ sendo necessário mais NADPH e O 2 para a forma-ção de L-citrulina e NO. A L-arginina é um aminoácido semi-essencial produzido no organismo, porém em quantidade insuficiente para todas necessidades. Além do ci-clo da uréia, a arginina é utilizada na síntese de L-arginina N-hidroxi-L-arginina L-citulina+ NADPH C a+2 NADPH O 2 óxido nítrico (NO) Fig. 1-Síntese do óxido nítrico a partir da L-arginina
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Flora Filho, R., & Zilberstein, B. (2000). Óxido nítrico: o simples mensageiro percorrendo a complexidade. Metabolismo, síntese e funções. Revista Da Associação Médica Brasileira, 46(3), 265–271. https://doi.org/10.1590/s0104-42302000000300012
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