Na década de 80, criaram-se condições históricas, políticas e culturais para a constituição de um novo campo temático na Saúde Coletiva. Até então vigorava a perspectiva maternoinfantil, onde as mulheres eram estudadas, mas o interesse recaía de fato na saúde das crianças, com ênfase nas teorias biológicas para a explicação dos fenômenos. As diferenças entre os sexos, embora presentes na maioria dos estudos, tendiam a ser naturalizadas, e as desigualdades sociais eram interpretadas, exclusivamente, quanto à dimensão de classe. Com o surgimento dos estudos sobre a mulher e, posteriormente, dos estudos de gênero, passam a ser contempladas as relações sociais fundadas nas diferenças percebidas entre os sexos, contribuindo para ampliar a compreensão do processo saúde-doença-cuidado. A forte queda da fecundidade estimula novos estudos sobre reprodução, incorporando as teorias sócio-culturais na compreensão de suas relações com a saúde. A emergência da AIDS desafia o enfoque epidemiológico tradicional das doenças infecciosas, exigindo abordagens interdisciplinares e conferindo legitimidade aos estudos sobre sexualidade e às interpretações sócio-antropológicas do fenômeno. Com a democratização do país, os movimentos sociais passam a influir nas políticas públicas, conferindo novos contornos ao debate sobre as desigualdades sociais. Nesse cenário, o movimento de mulheres cumpre papel fundamental no setor saúde ao tornar visíveis as ineqüidades de gênero, defender a integralidade e a humanização da atenção e abrir espaços para a luta contra todas as formas de discriminação e opressão. A luta pela saúde como direito de cidadania incorpora múltiplos atores sociais, que ampliam o debate sobre o tema com a defesa dos direitos reprodutivos e sexuais, o que é legitimado pelo estabelecimento de acordos internacionais resultantes dos grandes fóruns promovidos pela Organização das Nações Unidas nos anos 90. O aumento da produção científica sobre gênero, sexualidade e saúde reprodutiva passou a exigir a implementação de estratégias para o aprimoramento teórico-metodológico, justificando, em 1996, o surgimento do Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, com o apoio da Fundação Ford. Essa iniciativa envolve o Instituto de Saúde Coletiva (Universidade Federal da Bahia), o Instituto de Medicina Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o Núcleo de Estudos de População (Universidade Estadual de Campinas), a Escola Nacional de Saúde Pública (Fundação Oswaldo Cruz) e o Instituto de Saúde (Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo), na realização anual de cursos regionalizados de Introdução à Metodologia de Pesquisa e de programas de bolsas com a duração de 12 meses, encontrandose em sua décima edição. Além da formação de 188 alunos e 84 bolsistas, seus resultados podem ser conferidos neste suplemento, que reúne artigos selecionados entre os produtos de bolsistas e docentes do Programa. Neles é possível constatar a diversidade temática e disciplinar no tratamento de múltiplas questões de interesse para a Saúde Coletiva.
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Aquino, E. M. L., Barbosa, R. M., Heilborn, M. L., & Berquó, E. (2003). Gênero, sexualidade e saúde reprodutiva: a constituição de um novo campo na Saúde Coletiva. Cadernos de Saúde Pública, 19(suppl 2), S198–S199. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2003000800001
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