Observar os significados simbólicos da cultura do milho no Brasil indica a sua importância como alimento de resistência, associado a uma sacralidade pouco visível à historiografia oficial. Na perspectiva do colonizador, o milho tinha pouca relevância além da econômica e não rivalizava com o trigo, cujo valor simbólico esteve associado ao cristianismo. Investigando as menções feitas ao milho na coletânea História da Alimentação, organizada por Flandrin e Montanari (2015), encontramos a ideia de que na Europa o milho foi recomendado apenas em períodos de crise de abastecimento. Diferentemente, no Brasil, notamos que a difusão do milho na alimentação popular se deveu, sobretudo, aos povos afrodescendentes, que adaptaram o seu uso doméstico e ritualístico. Embora sejam raras as informações sobre a utilização de alimentos nas religiões originais dos povos nativos e cativos, foi possível, através de estudos antropológicos e artísticos, comparar algumas práticas ritualísticas atuais herdeiras das etnias indígenas e afrodescendentes do período colonial brasileiro. A comparação mostra semelhanças entre os rituais religiosos afro-indígenas que apontam para o seu traço de união, que se mostrou valioso à sobrevivência do milho na alimentação brasileira. O estudo sobre a sacralidade do milho sinaliza para modos de transmissão de uma cultura alimentar envolta em embates entre as suas representações socioeconômicas e as suas potencialidades simbólicas, tanto mágicas como poéticas.
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Melchior, M., & Sulis, M. (2020). Grãos sacralizados: notas sobre a difusão popular do milho a partir do seu uso simbólico em rituais religiosos. Revista Ingesta, 2(1), 118–136. https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v2i1p118-136
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