Os debates públicos sobre o fenômeno do negacionismo parecem se pautar sobre a ambiguidade da noção de engano: os “negacionistas profissionais” seriam aqueles que enganam, os cientistas seriam os que não (se) enganam e as “pessoas comuns” seriam as mais suscetíveis a se enganarem ou serem enganadas. Porém, estudos mostram que os negacionistas consideram sua própria atitude como uma precaução contra o engano; por isso, explicações que os tratam como anticientificistas, antidemocráticos e ignorantes não dão conta do fenômeno em toda sua complexidade. Neste artigo, recorro à noção nietzschiana de “vontade de verdade” para pensar o negacionismo como um efeito deletério da imagem da ciência como um escudo desinteressado contra o engano. Mais que isso, examino a hipótese de que a oposição verdade/engano nos torna a todos potenciais negacionistas, e proponho, como proteção contra esse risco, admitir os interesses que levam as pessoas a disputar os fatos científicos. Discuto também o contexto sociopolítico no qual o negacionismo pôde emergir e apresento alguns caminhos para uma noção de verdade mais condizente com as “questões de preocupação” (matters of concern) atuais.
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Costa, A. de C. (2021). Negacionistas são os outros? Verdade, engano e interesse na era da pós-verdade. Principia: An International Journal of Epistemology, 25(2), 305–334. https://doi.org/10.5007/1808-1711.2021.e79698
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