O corpo do improvisador

  • Gouvêa R
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Abstract

O corpo 2 do improvisador que cria a dança no aqui-agora é um corpo mutan-te, que continuamente devém outro, as-sumindo provisoriamente novas formas em corporeidades diversas. Um tal cor-po em estado de criação contínua abre-se às conexões virtuais imponderáveis e imprevisíveis que habitam o invisível, o plano microscópico da experiência, e é por elas afetado e modificado de for-ma não consciente-o que não exclui a possibilidade de este processo tornar-se consciente. Este corpo surge no momen-to em que o improvisador ultrapassa o vivido encarnado e os rastros de seus condicionamentos até tornar-se permeá-vel ao não-vivido virtual que, envolven-do o primeiro, lança-o para além de seus limites. Pensar este corpo é também viven-ciá-lo e, desta maneira, penetrar cama-das mais profundas da experiência do improvisador; entretanto, não se preten-de aqui definir o que este corpo é, mas investigar o que ele pode e como torná-lo ainda mais potente para criar a dança. A pesquisa da improvisação de dança 3 me levou ao plano das intensidades vir-tuais, das forças que compõem os cor-pos; das relações que eles constroem e desconstroem continuamente; plano da intuição sensível, da heterogeneidade das matérias expressivas, da imanência da dança. Foi, então, preciso reaprender a olhar o corpo a fim de poder capturá-lo em sua contínua metamorfose, para per-cebê-lo como ele se mostra naquilo que não aparece, que se esconde ou se esqui-va de uma percepção trivial, ou seja, foi preciso um esforço para ultrapassar o li-mite visível e macroscópico de um corpo 2 A noção de corpo aqui utilizada implica necessariamente a relação com a mente, portanto, quando uso a palavra corpo neste artigo estou dizendo corpomente. o conceito corpomente está inserido na perspectiva da continuidade entre corpo e mente na experiência cognitiva e é frequentemente empregado pela corrente teórica chamada embodied cognition. 3 inicio a pesquisa da improvisação de dança com dançarinos e atores em 1996 em Campinas, Sp. em 2004 conclui mestrado no qual apresento uma proposta de pre-paração do improvisador chamada prática corporeoenergética. o presente artigo faz parte da pesquisa de doutorado concluída em 2012 na Faculdade de educação da unicamp. que se move no espaço-tempo dirigido pela consciência, para percebê-lo como corpo esteticamente recriado nas cone-xões intensivas que ele compõe com os outros e que o compõem, as quais penso serem capturadas pela intuição sensível sustentada por uma conscência-corpo. A ideia de uma consciência-corpo resulta de elaboração a partir do concei-to de "consciência do corpo" (awareness) proposto pelo filósofo português José Gil (2004) que diz da experiência de mo-vimento do dançarino. Para mim, uma consciência impregnada de corpo como Gil propõe é já uma consciência-corpo, que provoca uma atitude, um estado outro de presença psicofísica que o im-provisador necessita para estar na expe-riência 4 , a qual revela a perfeita e direta coordenação entre corpo e pensamento. Uma atitude que entendo não ser total-mente consciente no dançarino-improvi-sador, por isso, a necessidade de ultra-passar a noção de percepção como um estado da consciência (Husserl, 2001). A percepção associada a uma consciência-corpo, ao incluir as micropercepções inconscientes, obscuras e confusas, ul-trapassa o limite da experiência cons-ciente habitual. Penso que uma consci-ência-corpo expressa melhor a ausência de intencionalidade e a presença deter-minante das intensidades inconscientes que afetam a experiência, provocando a mudança na forma de perceber do im-provisador. Ficou também evidente em minha pesquisa que o corpo em estado de cria-ção de dança difere do corpo comum ou cotidiano com o qual experimentamos a vida; assim como que aquele corpo não pode ser apreendido pela perspectiva de um corpo-organismo-vivo, nem mesmo pelas explicações físico-químicas ofere-cidas pela fisiologia, anatomia e motri-cidade. Não nos importa também um corpo subjetivado, reagente-reativo, condicionado pelas memórias ou deter-4 penso o conceito de experiência como em Jorge bondía Larossa (2002), ou seja, a experiência como aquilo que nos acontece, nos afeta e nos toca aqui e agora.

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Gouvêa, R. V. de. (2019). O corpo do improvisador. Urdimento, 02(19), 83–91. https://doi.org/10.5965/1414573102192012083

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