A condução de um projeto de pesquisa-intervenção voltado para a melhoria do cuidado obstétrico em maternidades públicas de uma grande cidade brasileira entre 2015 e 2017, em que buscamos enten-der o contexto para a implementação da intervenção, é o ponto de partida das nossas considerações. Baseamo-nos em interações com gestores do nível central da secretaria de saúde e das maternidades e, principalmente, em entrevistas que realizamos com gestores, médicos, enfermeiros e puérperas primíparas nas maternidades. As unidades envolvidas gozavam de condições estruturais percebidas, no momento do estudo, como adequadas, estando todas aderidas à Política Nacional de Humanização do Parto, com a reali-zação de partos por enfermeiras e médicos obstetras 1. Todas seguem as diretrizes do Ministério da Saúde no sentido da redução de intervenções obstétricas e aumento do uso de práticas baseadas em evidência para a condução do trabalho de parto e parto em gestantes de baixo risco 1,2. São materni-dades com taxas de cesarianas entre 30 e 35%, inferiores à média nacional do setor público de 43%, e quase metade da elevadíssima média do setor privado de 88% 3. Sem pretender fazer generalizações, acreditamos que as questões e reflexões aqui levantadas podem contribuir para o enfrentamento de problemas hoje presentes na atenção ao parto no país, e para a melhoria da sua qualidade. Um aspecto a merecer atenção refere-se à coexistência, de forma pouco integrada, do modelo de cuidado ao parto sob a condução de enfermeiras obstetras e do modelo mais tradicional e interven-cionista, sob a condução de médicos obstetras. Há clara disputa de poder e tensão corporativa, o que compromete a sua desejável complementariedade. Parece haver, por vezes, uma desconfiança mútua entre médicos e enfermeiras, dificultando ações oportunas em situações em que o parto inicialmente avaliado como de baixo risco evolui para um quadro de maior risco, e a intervenção médica se faz necessária. Médicos alegam ser chamados tardiamente e com frequência apontam a responsabilidade civil que sobre eles recai. Enfermeiras queixam-se da demora dos médicos quando chamados. Pode ser que a demarcação precisa de papéis seja difícil e, por isto, exija de cada profissional maior tole-rância em lidar com situações ambíguas, sem perder de vista a prontidão, a qualidade do cuidado e segurança das pacientes e de seus bebês. A centralidade do cuidado no paciente precisa ser a pedra angular dos profissionais em atendimento, fazendo o trabalho em equipe se impor 4. No Brasil, os esforços voltados à reversão do quadro que se estabeleceu de elevado uso de intervenções desnecessárias basearam-se especialmente em evidências oriundas do Reino Unido, Cuidado obstétrico: desafios para a melhoria da qualidade Obstetric care: challenges for quality improvement Atención obstétrica: desafíos para la mejora de la calidad PERSPECTIVAS PERSPECTIVES Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodu-ção em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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Portela, M. C., Reis, L. G. da C., Martins, M., Rodrigues, J. L. da S. de Q., & Lima, S. M. L. (2018). Cuidado obstétrico: desafios para a melhoria da qualidade. Cadernos de Saúde Pública, 34(5). https://doi.org/10.1590/0102-311x00072818
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