ESSÊNCIA DA democracia, como a própria etimologia indica, é a titularidade e o exercício do poder político supremo-o kyrion da filosofia aristotélica-pelo povo, isto é, o conjunto dos cidadãos. Teoricamente, pode-se discutir a abrangência do conceito de povo entre o alcance máximo de todos os que vivem no território do Estado, capazes de declarar sua vontade livremente, e o limite mínimo de um grupo reduzido de pessoas; vale dizer, entre a poliarquia e a oligarquia. A História apresen-ta-nos uma gama extensa de variações, nesse particular. Mas o que não se pode é confundir a democracia com os regimes que claramente dispensam a manifestação da vontade popular, ou falseiam, por meio de engenhosos mecanismos, a sua expressão legítima. Importa também distinguir o poder do povo, do poder sobre o povo, e a diferente função do processo eleitoral em um e outro caso (1). No regime democrático, o povo exerce sua soberania, ou diretamente, ou mediante re-presentantes. Estes últimos não devem ser confundidos com o governo, isto é, com aqueles que dispõem de poder sobre o povo (2). Quando o povo elege um chefe de Poder Executivo, numa democracia, este não se transforma, pelo fato eleitoral, em representante do povo. A sua eleição ou escolha equivale a uma manifestação de consentimento popular ao exercí-cio do governo, que passa a ser fiscalizado pelo povo, diretamente, ou por seus representantes, que são, em geral, os membros do Parlamento. Numa democracia, já observara Montesquieu, o povo é, sob certos aspectos, monarca e, sob outros, súdito. Ele é monarca pelos seus sufrágios, que exprimem sua vontade. Daí porque as leis que regulam o modo de pro-ceder das eleições são tão fundamentais no regime democrático, quanto a lei de sucessão dinástica numa monarquia (3). Ora, exatamente em função do vínculo indissolúvel entre democracia e escolha ou consentimento popular, bem como em razão do prestígio cres-cente que esse regime político passou a ter em todo o mundo na segunda metade do século XX, as diferentes autocracias ou oligarquias, que não po-diam correr o risco de perder sua aparência de legitimidade, procuraram manter oficialmente o processo eleitoral, preservando no entanto o seu fun-Sentido e alcance do processo eleitoral no regime democrático FÁBIO KONDER COMPARATO A
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Comparato, F. K. (2000). Sentido e alcance do processo eleitoral no regime democrático. Estudos Avançados, 14(38), 307–320. https://doi.org/10.1590/s0103-40142000000100018
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