A relação eu-outro e a relação homem-trabalho são duas interfaces do ser humano interconectadas entre si, já largamente exploradas em diferentes campos do conhecimento, com inegáveis contribuições para a compreensão da sociedade e da pessoa humana em sua condição ontológica e em sua existência (ARENDT, 2001; ASHBY, 1947; COOPER, 1983, 1998; HOMANS, 1951; LANE; CODO, 1984; MALVEZZI, 1988; MEAD, 1934; RICOEUR, 1990, 2008; SAINSAULIEU, 1977). Ambas têm sido objeto de escrutínios que exploraram as relações do in-divíduo com o outro e com o trabalho, nas quais a inserção do ser humano no tempo e no espaço revelou suas potencialidades, sua diversidade de formas de interação e razões de sua existência. O conhecimento produzido nessas duas in-terfaces explica as transações que nelas ocorrem, evidenciando as estruturas sub-jetivas que constituem e mobilizam a pessoa, as macroestruturas que a circundam, as condições e os mecanismos implicados na construção de sua existência frente às possibilidades que o mundo lhe oferece (BAXTER, 1982). As transações entre o eu, o outro e o trabalho são matérias primas férteis para a investigação do ser social. Grande parte dos conceitos e teorias que constituem as ciências sócio-com-portamentais, particularmente a psicologia social e a psicologia das organizações e do trabalho, é produto da investigação dessas interfaces. Esses conhecimentos tornaram-se referência que ilumina a compreensão da sociedade, da pessoa, da busca da emancipação, da justiça e o bem-viver (LINDSEY; ARONSON, 1968). Embora já largamente exploradas, essas duas interfaces são territórios sempre abertos a novos questionamentos, como fontes inesgotáveis de reflexão sobre a condição humana, o estar no mundo, os determinantes e sentidos da ação, a qua-lidade de vida, a felicidade e a construção do futuro. Na trajetória secular desses questionamentos desponta um elemento transversal que é o hífen entre o eu, o 246 A psicologia social e a questão do hífen outro, o mundo e o trabalho. O que seria esse hífen? A busca de respostas a esta questão é o objeto de análise deste capítulo. 17.1 O hífen A investigação desse hífen tem sido rotina na história das ciências sociais e seguirá sendo questão aberta diante da complexidade da condição humana e de sua inserção dentro de uma sociedade em contínua evolução, em todos os seus aspectos (MALVEZZI, 2016). Até mesmo, o olhar superficial e intuitivo sobre as transações entre o eu, o outro, o mundo e o trabalho sugere a existência de algum hífen que materializa suas influências mútuas. Este hífen emerge nas suas ativi-dades. Estes são movimentos que produzem e veiculam transações que revelam interdependência entre essas duas interfaces. O eu, o outro, o mundo e o trabalho se relacionam, expondo-se mutuamente em suas potencialidades, condição que viabiliza transformações neles mesmos ou no lócus que os abriga e sustenta. As atividades são conjuntos coordenados de movimentos dos seres vivos ou máqui-nas que alteram propriedades, funções, identidades, transações em suas interfaces. Toda mudança é produzida por alguma atividade na interação entre dife-rentes elementos (CROZIER; FRIDBERG, 1978), numa espécie de movimento " cooperativo " entre eles. A argila se " deixa moldar " pelas mãos do oleiro. A cria-ção e articulação desses movimentos " cooperativos " possibilitam mudanças no status quo do mundo real, criando algo novo, promovendo ajustes funcionais em propriedades e funções, provocando novos movimentos, gerindo conflitos, rede-senhando contextos, fomentando novas interfaces ou instituindo agentes (CAL-DWELL, 2006). Aristóteles (1908) foi um dos pioneiros no reconhecimento das atividades como hifens entre o eu, o outro e o mundo. Ele as diferenciou em duas categorias de causalidade, que denominou de " produção natural " e de " produção pela arte " . A " produção natural " é constituída por atividades cuja articulação em cadeias de causas está programada na própria natureza. Essa forma de produção requer al-guma causa desencadeadora de sua programação, que Aristóteles chamou de causa efficiens, sem necessidade de algum agente. Assim, a semente de laranja contém a programação de todas as etapas da cadeia de atividades necessárias para a produ-ção da laranjeira. Essa programação está intrínseca na semente. A transformação da semente em laranjeira dependerá somente da existência de condições externas favoráveis, mas não de algum agente (CALDWELL, 2006) que articule as ativida-des necessárias para a produção da laranjeira. Para Aristóteles, atividades como os terremotos, as ondas do mar ou a reprodução dos vegetais, como a laranjeira, independem de escolhas por parte de algum agente. As atividades da " produção natural " são explicadas e compreendidas pelas propriedades físicas e químicas dos
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MALVEZZI, S. (2017). Os hifens das relações eu-outro e homem-trabalho no século XXI. In A psicologia social e a questão do hífen. Editora Edgard Blucher. https://doi.org/10.5151/9788580392357-17
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