Eu não tenho, de forma alguma, a ambição de decidir entre um tudo e um nada, mas apenas a candura de querer diferenciar as situações e de julgar que ganhei em todos os planos. (Piaget, 1987, p. 399) O debate em torno de teses parece ser uma das características da ciência. Uma visão tradicional em filosofia das ciências (Hegenberg, 1969) indica que o desenrolar do debate envolveria, de parte a parte, a exposição de dados (de informação, empíricos ou experimentais) e da tese que deles se retira por conclusão. A marcha dessa exposição levaria à necessidade de explicar ou justificar tais conclusões e, em muitos casos, envolveria uma argumentação ampla e matizada. O desenvolvimento da argumentação poderia conter: a) garantias teóricas, que são os enunciados hipotéticos a que se faz apelo para justificar a passagem dos dados à conclusão; b) qualificadores, que restringem as conclusões e estabelecem as condições e os termos em que ela se torna mais aceitável; e, c) suportes para as garantais, que se destina a conferir autoridade às garantias, trazendo mais dados ou informações teóricas. Nesse esquema, como se pode observar pela coesão racional, parece não haver espaço para a retórica. Conforme Abbagnano (1999), a retórica é a arte de persuadir com o uso de instrumentos lingüísticos. Essa arte tem como característica principal sua independência em relação à disponibilidade de provas ou de argumentos que produzam conhecimento real ou convicção Resumo Os entendimentos sobre a aquisição da linguagem e sobre as estruturas cognitivas estão em debate no seio das ciências cognitivas. Isso se dá apesar de um grupo de acadêmicos, de forma retórica, insistir em desmerecer o modelo construtivista piagetiano, mantendo uma adesão ao inatista ponto de vista chomskyano. Nesse artigo, retoma-se o clássico debate entre esses dois sistemas de conhecimento, repensando-o em uma perspectiva psicobiológica e apresentando recentes estudos neurobiológicos que sugerem a correção do compromisso, apontado por Piaget, entre o inato e o adquirido. Palavras-chave: Construtivismo; inatismo; epistemologia genética; neurobiologia. Updating the Debate between Piaget and Chomsky in a Neurobiological Perspective Abstract The understandings of language acquisition and of cognitive structures are in debate in the center of the cognitive sciences. It happens despite of a group of academics who, in a rhetorical way, insists on despising Piagets constructivist model, keeping a connection to Chomskys innatist theory. This paper recalls the classical debate between these two knowledge systems, rethinking it in a psychobiological perspective and presenting recent neurobiological studies that suggest a correction of commitment between innate and acquired as pointed by Piaget. Keywords: Construtivism; innatism; genetic epistemology; neurobiology. discursos, aqueles que devem tomar partido de uma ou outra tese em algum tribunal, conselho, assembléia ou outra reunião pública. Portanto, o retórico é hábil em convencer a maioria das pessoas sobre qualquer assunto, falando contra todos que se lhe oponham e conseguindo ser mais persuasivo que qualquer debatedor. Por isso, alguém poderia mesmo supor que a retórica estaria mais pertinente à política ou ao Direito. Isso não seria inimaginável, uma vez que pelo ideal da objetividade científica, o sujeito poderia afastar seu tom discursivo das características pejorativas da oratória, que aproximam a retórica ao discurso pomposo e empolado, porém vazio de conteúdo. Entretanto, aí se estaria esvaziando o conteúdo da própria retórica. No entanto, mesmo na ciência moderna o uso da retórica como ferramenta de persuasão se encontra disseminado. Regner (1998) desenvolveu um exame dos procedimentos explicativos e das estratégias argumentativas encontradas no clássico Origem das Espécies, de Charles Darwin. Entre as estratégias argumentativas que poderiam ser entendidas como retóricas Regner lista as seguintes: a) defender a teoria, deslocando o teor da objeção; b) alegar que a evidência desfavorável não existe; c) alegar que a evidência disponível não é fatal à teoria; d) alegar que a evidência arrolada foi adequadamente examinada; e) alegar que a evidência não desqualifica a teoria; f) alegar que as evidências favoráveis e desfavoráveis devem ser assim examinadas à luz da integridade do contexto explicativo; g) alegar que a evidência não afeta qualquer teoria em particular, ou que, em qualquer caso, não dispõe de sólido fundamento; h) alegar que a evidência arrolada não afeta ao adversário; i) alegar ter sido mal-interpretado; j) desqualificar as razões da teoria do oponente; l) desqualificar a evidência favorável e enfatizar a evidência 1 Gostaria de agradecer: à CAPES pelas bolsas de doutorado e de estágio no exterior (Programa PDEE); e à Tânia Sperb e Silvia Parrat-Dayan pelas leituras atentas às versões anteriores desse manuscrito.. 2 Endereço para correspondência: Av.
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Eichler, M. L., & Fagundes, L. (2005). Atualizando o debate entre Piaget e Chomsky em uma perspectiva neurobiológica. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(2), 255–266. https://doi.org/10.1590/s0102-79722005000200014
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