As cidades fascinam. Realidade muito antiga, elas se encontram na ori-gem daquilo que estabelecemos como os indícios do florescer de uma civili-zação: a agricultura, a roda, a escrita, os primeiros assentamentos urbanos. Nessa aurora do tempo, milênios atrás, elas lá estavam, demarcando um tra-çado, em formato quadrado ou circular; definindo um espaço construído e organizado, logo tornado icônico do urbano-torres, muralhas, edifícios públicos, praças, mercados, templos; a exibir sociabilidades complexas e inu-sitadas na aglomeração populacional que abrigavam; a ostentar a presença de um poder regulador da vida e de outro ordenador do além, na transcendên-cia do divino. Mas, sobretudo, a cidade foi, desde cedo, reduto de uma nova sensibili-dade. Ser citadino, portar um ethos urbano, pertencer a uma cidade implicou formas, sempre renovadas ao longo do tempo, de representar essa cidade, fos-se pela palavra, escrita ou falada, fosse pela música, em melodias e canções que a celebravam, fosse pelas imagens, desenhadas, pintadas ou projetadas, que a representavam, no todo ou em parte, fosse ainda pelas práticas cotidia-nas, pelos rituais e pelos códigos de civilidade presentes naqueles que a habi-tavam. Às cidades reais, concretas, visuais, tácteis, consumidas e usadas no dia-a-dia, corresponderam outras tantas cidades imaginárias, a mostrar que o urbano é bem a obra máxima do homem, obra esta que ele não cessa de re-construir, pelo pensamento e pela ação, criando outras tantas cidades, no pen-samento e na ação, ao longo dos séculos. Cidades sonhadas, desejadas, temidas, odiadas; cidades inalcançáveis ou terrivelmente reais, mas que possuem essa força do imaginário de qualificar o mundo. Tais representações foram e são capazes de até mesmo se imporem como as 'verdadeiras', as 'reais', as 'concretas' cidades em que vivemos. Afinal, o que chamamos de 'mundo real' é aquele trazido por nossos sentidos, os quais nos permitem compreender a realidade e enxergá-la desta ou daquela forma. Pois o imaginário é esse motor de ação do homem ao longo de sua existência, é esse agente de atribuição de significados à realidade, é o elemento responsável 11 junho de 2007
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Pesavento, S. J. (2007). Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Revista Brasileira de História, 27(53), 11–23. https://doi.org/10.1590/s0102-01882007000100002
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