Introdução A provocação é intencional. Retomo a frase freudiana (1912) – " a anatomia é o destino " – para indagar o que a psicanálise tem a dizer a respeito do sintoma transexual. Como entender essa afirmação de Freud em relação à sexuação dos sujeitos? Aliás, nos dias de hoje, a posição freudiana ainda faz algum sentido, para os psicanalistas, do ponto de vista teórico e clínico? À primeira vista, o fenômeno transexual parece interrogar radicalmente a anatomia e a sua relação com a sexualidade. Segundo Castel (2001), o fenômeno transexual " é um indicador muito seguro das modificações históricas da percepção científica, mas também cultural e política da identidade sexual no século XX " (Castel, 2001, p. 77). Para os fins deste trabalho, proponho uma distinção entre a clínica do transexual e o discurso sobre o transexualismo que promove o fenômeno transexual. Esse discurso se constitui a partir dos formadores de opinião a respeito do tema do transexualismo, ou seja, médicos (psiquiatras, endócrinos, cirurgiões), psicanalistas e psicólogos. Vou me apoiar nas reflexões de Castel para recortar a questão que pretendo desenvolver. A figura do transexualismo não é nova. Pensada como uma síndrome, foi individualizada por Benjamin (1885-1886 apud Castel, 2001). O termo transexual é utilizado pela primeira vez por Hirschfeld em 1910 e passa a ser estudado, a partir daí, no campo da sexologia e da psiquiatria. Para Castel (2001), a apresentação contemporânea do transexualismo entrelaça os seguintes campos: Da sociologia e da psicologia, com o surgimento da noção de gênero e a disjunção entre sexo e gênero; Da psiquiatria, com a definição no DSM-IV não mais sob o título de transexualismo, mas como distúrbio de identidade de gênero; Da cirurgia plástica, com a criação de novas técnicas capazes de satisfazer as demandas de adequação do corpo anatômico ao gênero; Da endocrinologia, com tratamentos hormonais que possibilitam a transformação da aparência na direção do gênero requerido. Ainda segundo Castel (2001), a partir dos anos 1970, vem à luz a reivindicação libertária de uma despatologização radical do transexualismo e a ideia de que a identidade sexual é em si um preconceito e limita a liberdade individual. O transexualismo é descrito como neuroendócrino, por oposição a uma psicogênese. Essa teoria biológica convive bem com as teorias culturais sobre o gênero que também se opõem à ideia de um distúrbio psicogênico. Parece haver um novo gosto na cultura contemporânea que, em nome da liberdade e dos direitos do indivíduo, rejeita a diferença sexual. A minha proposta é apresentar uma investigação desse fenômeno – o aparente apagamento da diferença sexual na cultura – a partir de textos psicanalíticos que tratam do tema do transexualismo. O fio condutor desse trabalho gira em torno de duas perguntas: a diferença sexual
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da Cunha Antunes, M. C. (2016). A anatomia é o destino: a psicanálise e o sintoma transexual. Revista ASEPHallus de Orientação Lacaniana, 11(22), 42. https://doi.org/10.17852/1809-709x.2019v11n22p42-67
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