Claude Lévi-Strauss e o mito da mitologia

  • Basques M
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Abstract

A publicação deste volume encerra o projeto de tradução da tetralogia do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, permitindo aos leitores brasi-leiros o acesso à íntegra dessa monumental sinfonia em quatro atos, as Mitológicas. Falecido no mês de novembro de 2009, às vésperas de completar 101 anos, Lévi-Strauss foi um dos grandes pensadores do século XX. O que o encantava em autores como Jean de Léry era a maneira especial de descrever as memórias de viagem com um olhar particular que transportaria o leitor, como em um passe de mági-ca, para outro tempo e espaço. As Mitológicas são, justamente, uma viagem pelo universo mítico ame-ríndio, um itinerário no qual a obra de Lévi-Strauss mantém uma relação de fundo com a sua própria trajetória pessoal. Se o ponto de partida do primei-ro volume (O cru e o Cozido, 2004 [1964]) foi um mito do povo indígena Bororo, habitantes do Brasil Central, sobre um certo desaninhador de pássaros em torno do tema da " conquista da cultura " , agora somos conduzidos à América do Norte. Percurso este que foi realizado em vida por Lévi-Strauss, que conheceu de perto vários povos indígenas no Bra-sil, iniciando-se dessa maneira na etnografia, e que também se notabilizou por seu minucioso trabalho de pesquisa em arquivos e bibliotecas norte-ameri-canos. Durante os anos de exílio, a estada em Nova York rendeu-lhe a convivência com os surrealistas André Breton e Marcel Duchamp, entre outros, além de um acontecimento decisivo: o contato com o linguista Roman Jakobson. Nas Mitológicas, a transição de um hemisfério ao outro do continente se dá em movimentos es-piralados – " progressões em rosáceas " –, onde se avança à medida que se amplia o diálogo mitológi-co orquestrado pelo autor. Embora tenha dito que odiava as viagens e os exploradores, as Mitológicas de Claude Lévi-Strauss propõem um convite aos leitores para que embarquem em uma jornada que só pode se realizar como um mito da mitologia, isto é, a condição de possibilidade de uma obra como esta é a sua composição aos modos de um mito, como uma versão cujos eixos temáticos pri-vilegiados são necessariamente arbitrários – pois se poderia começar de quaisquer outros pontos –, mas ancorados em questões consideradas comuns aos 813 mitos ameríndios reunidos na tetralogia, tais como a passagem da natureza à cultura, o es-tabelecimento de regras de aliança e a separação entre humanos e não humanos. Nas palavras de François-René de Chateaubriand, autor de Via-gem à América (1827), e que aparecem citadas em epígrafe ao capítulo " Junções " , das Mitológicas: " Por mais diversos que sejam os caminhos, os via-jantes chegam ao ponto de encontro. " Afinal, por que povos tão afastados, da América do Sul e do Norte, puderam elaborar narrativas que se conectam em tantos pontos? Os mitos, dirá Lévi--Strauss, se pensam entre si ao mesmo tempo em que pensam a sociedade de onde provêm, com a res-salva de que jamais pertencem a uma única socieda-de, pois o que é mais próprio deles é viajar por entre elas e, assim, transformarem-se. Ressoa nesta tese uma afirmação de Franz Boas, antropólogo que lhe foi contemporâneo e responsável pela organização de um imenso material dedicado à mitologia dos povos norte-americanos: " Dir-se-ia que os universos mitológicos são destinados a ser pulverizados mal acabam de se formar, para que novos universos nas-çam de seus fragmentos. " Se pensar é viajar, o que os mitos têm a dizer não se esgota em suas socie-dades de origem, posto que produzem " aberturas " , vias alternativas para que se possam vislumbrar as operações mais fundamentais do intelecto humano. Aqui, portanto, pensar a partir de outrem é viajar pelo pensamento mítico ameríndio. A diretriz dessa viagem refere-se ao método de análise estrutural do mito, desenvolvido por Claude Lévi-Strauss, segun-do o qual um mito não tem começo nem fim, pois nada mais seria do que um fragmento de uma nar-rativa maior. O seu sentido não está contido jamais em si mesmo, mas deve ser buscado em outros rela-tos, muitas vezes em povos diferentes, onde poderá ser (re)encontrado de maneira transformada. Se no primeiro volume, a dicotomia básica é o cru e o cozido, o segundo volume (Do mel às 12027_RBCS79_AF3b.indd 209 7/2/12 4:36 PM

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Basques, M. (2012). Claude Lévi-Strauss e o mito da mitologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27(79), 209–212. https://doi.org/10.1590/s0102-69092012000200015

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