Vinte anos após os Acordos de Paz (1992), El Salvador é considerado um dos países mais violentos do mundo. Os atores mais visíveis e temidos desta violência são os gangues que, há cerca de duas décadas, se digladiam entre si e aos quais são atribuídos vários atos de violência sexuada, incluindo contra as próprias mulheres que os integram. Estas, que são simultânea ou alternadamente vítimas e perpetradoras, fazem parte de uma imagética sobre mulheres e feminilidades anormais ou perversas; mas são, sobretudo, consideradas como exceções e, por isso, ignoradas. Este artigo explora as razões da pouca atenção prestada às motivações e à participação das mesmas em grupos violentos, bem como à violência que contra elas é praticada, a partir da desconstrução de dicotomias e oposições estanques associadas à guerra e à paz, destacando antes a fluidez das conexões entre ambas. Procura‑se demonstrar que uma conceção da guerra e da paz como estados bem definidos e separáveis e uma associação da guerra à exceção e à violência legítima não são neutras do ponto de vista da reprodução da violência em tempos de “paz”, acabando por ocultar e justificar os processos de desumanização que conduzem a uma dupla vitimação das mulheres dentro dos gangues e à negligência de que são alvo na literatura académica e nas políticas de apoio às vítimas ou de prevenção da violência.
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Roque, S. (2012). Lógicas de guerra e a reprodução das margens: Gangues, mulheres e violência sexuada em El Salvador. Revista Crítica de Ciências Sociais, (96), 87–116. https://doi.org/10.4000/rccs.4830
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